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O PRAZER DE FUMAR


Por volta dos quatorze anos experimentei o primeiro cigarro por influência de um amigo de infância e adolescência, um alemão de origem polonesa  chamado Bogdan Warzocha. Na opinião dele homem para ser homem precisava fumar e beber. O cigarro foi para mim uma tortura, pois não conseguia sentir prazer em fumar, pois me deixava um gosto horrível na boca. Tragar então, além de ser difícil, me deixava tonto e com dor de cabeça. Assim, disfarçava com o cigarro entre os dedos e dava algumas baforadas para impressionar os colegas e quem sabe as garotas. Com a bebida a experiência foi parecida. Também levado pelo mesmo Bogdan tentei beber rum, vodca e cachaça sem sucesso. Num ano novo ele passou em casa para fazermos uma via sacra, bebendo em todos os bares que encontrássemos. Conseguir beber até no segundo, enquanto ele bebeu em pelo menos em meia dúzia de bares alternando doses de vodca, gim e rum. Fiquei enjoado e abominei a experiência. Acho que a minha dificuldade, felizmente, tinha origem no DNA, ao contrário dele, que como se sabe, os eslavos são mais resistências ao álcool. Mais tarde passei a apreciar cerveja, mas raramente passando do terceiro copo. Em tempos de madureza aderi ao vinho tinto para aumentar o colesterol bom e reduzir o ruim, o que não deu resultado, mas isso não foi motivo para desistir da companhia de uma taça de Cabernet Sauvignon para acompanhar as refeições.
Quanto ao cigarro, continuou sendo uma companhia constante durante a adolescência para superar a minha timidez nas festas e bailinhos do bairro. Continuei não tragando, o que me livrou da dependência do tabaco. Tempos depois, já trabalhando, conheci uma pessoa que me ajudou a exorcizar o cigarro de minha vida. Foi o Rubens Novaes, o contador da empresa e meu chefe imediato. Com quinze anos de idade ele me tratava como um sobrinho e às vezes como um filho, mostrando sempre os riscos do vício. Com os bons argumentos que ele me ensinou, consegui superar o “complexo de inferioridade” por ser um não fumante e passei a ser um militante da causa.
Lembro-me de quando criança, que meu pai fumava um cigarro depois do jantar. Era o seu ritual diário. Um maço dava para uns quinze dias. Minha mãe às vezes acendia um, mas evitava fazê-lo na frente dos filhos para não incentivá-los. Com uns quarenta anos de idade, meu pai acendeu o seu último Mistura Fina, uma marca de cigarro conhecida como quebra peito, por ser bastante forte. Foi numa tarde de sábado, enquanto cuidava do jardim, acendeu um cigarro e após dar a primeira tragada, sentiu uma forte tontura. Não procurou saber por que, mas numa mais colocou outro na boca.
Depois dos filhos casados, minha mãe voltou a fumar, pois segundo ela contava, sentiu os primeiros prazeres do tabaco com o pai que pitava cigarros de palha no interior de São Paulo. Liberal, meu avô nunca proibiu nada para os filhos e filhas. Apesar dos resmungos do meu pai que passou a detestar cigarros, ela passou a queimar um maço por dia. Quando viúva, aumentou para quase dois maços, prazer que lhe proporcionou um enfisema pulmonar e um pigarro que a acompanhou pelo resto da vida e tornou o seu pulmão frágil e pouco resistente a uma sequência de pneumonias que lhe tirou a vida aos 84 anos.
Para completar, casei-me com uma fumante, que se viciou aos quinze anos e levou o hábito até os vinte e cinco. No início, até lhe presenteava com seus cigarros favoritos, mas depois comecei a tentar dissuadí-la do vício, mas sem sucesso. Às vezes discutíamos porque eu não permitia que ela fumasse no carro ou criava caso para parar no caminho para comprar cigarros. Felizmente ela resolveu fazer aulas de dança e percebeu que o cigarro dificultava sua performance nas aulas e resolveu parar definitivamente.
Hoje vejo que o cigarro saiu mesmo de moda, pois são raros entre os meus alunos na universidade os que ainda fumam, bem diferente dos meus tempos de estudante, que precisava ficar próximo da janela para poder respirar um pouco de ar fresco.


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