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Mostrando postagens de 2011

A MEIA NOITE EM PARIS E A MEIA NOITE NA PAULICEIA DESVAIRADO

Ao sair do cinema na Rua Augusta, depois de assistir o belo filme de Woody Allen, fiquei um pouco frustrado por não estar chovendo como na última cena do filme. A rua estava repleta de carros, com muito barulho, muita gente e em nada sugeria o clima de Paris nos anos 30, palco da trama desenvolvida pelo magistral cineasta. Mas resolvi caminhar um pouco para curtir o clima do filme enquanto aguardava uma carona. Cansado de esperar fui descendo a Augusta no sentido centro e aos poucos fui tomado por um clima diferente. Até hoje não sei se pirei ou se o mundo havia voltado no tempo. Estava em frente ao restaurante Gigetto, onde até hoje, muita gente famosa gosta de jantar depois das peças de teatro, shows ou mesmo para encerrar uma noite de trabalho. Lá encontrei há alguns anos atrás o humorista Ary Toledo, Chico Buarque, Marieta Severo e Elba Ramalho todos numa mesma noite. Logo que entrei vi sentado em uma mesa num canto o poeta e romancista Mario de Andrade, com sua calva avançada

O TORCEDOR DO SÃO CRISTÓVÃO

O SÃO CRISTÓVÃO E O ESTRELA F.C.  DE VILA MARLENE O que você acha do Conny? Antes que eu pudesse preparar a resposta, outro amigo entrou na conversa e afirmou categoricamente: - Ele é bom e não me perguntem o porquê, mas sei que é ele é bom, - Mas tem que ter algum motivo para ser bom, ora essa. - Ele é bom porque é torcedor do São Cristóvão. - Mas só porque torce para o São Cristóvão?  Esse não é um bom motivo para ser considerado um bom escritor. - Ele não está na Academia Brasileira de Letras? Então é bom e ainda mais que torce pelo São Cristóvão.  Aqui em São Paulo ele torce pelo Santos, mas no Rio de Janeiro é São Cristóvão e ponto final. Não sabe muito bem porque, mas torce, sofre e chora.   Bom ... saber ele sabe. Uma vez,  contou,  leu uma crônica do Conny em que ele relata que um entregador de pizza apareceu na porta da casa do escritor com a camisa do São Cristóvão e ele curioso perguntou se ele torcia mesmo para o time. Ele e o entregador de pizza eram pro

CATOLÉ E SUAS HISTÓRIAS

Catolé é o apelido de Cleoton Fernando de Sena, nascido em Catolé do Rocha, Paraíba, que conheci através de amigos em São Caetano do Sul. Funcionário do Banco do Brasil transferiu-se ou foi transferido, não sei ao certo, para São Paulo, onde angariou um grande número de amigos pelo seu jeito simples, brincalhão e também pelas boas histórias que contava com bastante picardia. Catolé também tocava um bom violão, que animava as rodas de samba. Sua história de vida é surpreendente, de origem muito humilde, foi internado em uma instituição para crianças carentes, chamada Pindobal, lá mesmo na Paraíba, cuja história ele resgatou, tempos depois, através de um vídeo que provava que é sim, possível, tirar crianças da rua e dar-lhes amparo e educação de qualidade. Catolé ao contrário do irmão que fez medicina, fez o curso superior em Belas Artes no Rio de Janeiro e conseguiu um bom emprego através de concurso no Banco do Brasil, onde fez uma longa carreira até a aposentadoria. Mas

A DESPEDIDA

A primavera havia chegado há poucos dias, mas a garoa fina e o frio continuavam. A festa estava mais para um bom vinho, mas quem é que poderia prever esse tempo maluco de uma região subtropical de transição. Mas a cerveja era das boas, o espetinho estava caprichado e o pernil estava exuberante. Mas boa mesmo era a conversa, conversa de uma juventude bela e sorridente, conversas de velhos resgatando o passado e lembrando que também não tem muito futuro. A vida é assim mesmo.   Numa roda de homens com os cabelos grisalhos e brancos, um deles falou em alto e bom tom: “De repente a gente descobre que está velho! É assim mesmo, um dia você acorda e sente que as pernas não funcionam tão bem como antes, além de outras coisas. Ontem, incomodado às 7h por um barulho que não me deixava dormir, levantei furioso para xingar os operários que estavam martelando do lado do meu quarto, no terreno vizinho. Coloquei a escada para dar uma bronca, a escada escorregou e desabei. Fiquei estendido no ch

O VELHO ADONIRAM

Adoniram Barbosa ou o João Rubinato nasceu em 1910, na cidade de Valinhos, interior do de São Paulo e mudou-se para Santo André no ABC paulista em 1924, onde passou alguns anos trabalhando como operário e biscateiro antes de ir para o bairro do Bexiga que o revelou para o país e talvez para o mundo. Estaria com cem anos se vivo ainda estivesse. Ainda bem, pois já imaginaram a aporrinhação em cima do sambista? Entrevistas para a televisão, rádio, jornais, revistas e curiosos. O genial velhinho ficaria de saco-cheio e provavelmente todo esse assédio não lhe renderia nenhum trocado para aliviar o seu orçamento. Por isso ele desabafou certa vez quando lhe perguntaram como se sentia sendo tão homenageado: “Homenagem não paga as contas”. E por falar em homenagens, são várias que estão pipocando por aí para lembrar o maior sambista paulista, que com a sua irreverência, resolveu desmentir o Vinicius de Moraes que teria dito que São Paulo era o túmulo do samba. Com o samba Trem das Onze,

A PRIMEIRA TELEVISÃO

A primeira televisão a gente nunca esquece, não é mesmo? É evidente que eu me refiro àquelas pessoas com mais de cinqüenta anos que viram o aparelhinho entrar pela primeira vez em casa. Meus pais resistiram muito em comprar uma TV por acharem que o rádio já estava ótimo. Além disso, os aparelhos da época ficavam mais nas oficinas de conserto do que na sala de visitas. Isso era visível quando o carro da Eletrônica Kodama parava em nossa rua para levar ou trazer aparelhos com problemas. O japonês era o melhor técnico da praça, pois consertava tão bem os aparelhos que ficavam funcionando até três meses, o que era um recorde. Naqueles tempos ter uma televisão significava ter mais um filho para sustentar. Uma senhora que morava em frente à nossa casa comprou a primeira TV da rua e como tínhamos uma intimidade maior com ela, eu e meu irmão mais novo íamos lá assistir o Zorro, A turma do Sete e até o Alô Doçura, com o John Herbert e a Eva Wilma. Programão! E foi por causa da telev

UMA MENINA CHAMADA MARIA QUE ABALOU O QUARTEL

Foi no longínquo 1967 e Maria estava com pouco mais de dezesseis anos; não era bonita, nem feia, era pobre e morava, provavelmente, em algum dos muitos  cortiços de São Caetano do Sul, no ABC paulista. Sem muito que fazer,  circulava pelas imediações do Tiro de Guerra paquerando os jovens bonitos e sarados de classe média. Ninguém lhe  dava atenção, mas ela continuava insistindo em passearr por ali e, às vezes, ficava no portão observando os exercícios militares. Eram duas horas de atividades diárias, com um pequeno intervalo para um cafezinho e um cigarro, para quem fumava. Terminadas as instruções, todos saiam às pressas para o trabalho ou para estudar e nunca ninguém prestava atenção na pobre Maria. Mas Maria apareceu por lá numa quente e enluarada noite de sábado. Os rapazes estavam de plantão. Seriam doze longas horas de fastio. Cada Companhia tinha a sua escala e dez ou doze rapazes eram sorteados para a triste tarefa. Como eram da mesma Companhia, todos se conheciam, o que

A BENGALA

A BENGALA                 Francisco tinha uma bela bengala japonesa que herdou do seu avô. Era de cerejeira com cabo de prata. Com quase setenta anos de idade, ele circulava com ela orgulhoso pelos corredores da empresa. Não que precisasse da bengala para se locomover, mas por um pouco de esnobismo. Mas isso não significava que era um esnobe, apesar do sobrenome pomposo que revelava uma origem nada modesta. Ele apenas tinha saudades dos esnobismo dos velhos tempos do Rio de Janeiro quando seu avô paterno circulava por Copacabana usando elegantemente seu chapéu Panamá  e a bengala. Algumas vezes, contava ele, o avô o levava para saborear algumas guloseimas na Confeitaria Colombo. Era um acontecimento inesquecível, que gostava de relembrar sempre que me encontrava. Contava, também, que às vezes, o avô o deixava brincar com a bengala desde que não se afastasse muito do seu olhar, pois era muito ciumento com ela. Mas disse-lhe, claramente, que seria sua depois que partisse. E assim

“O ROUBO DO CELULAR”

 Contou-me um velho camarada que acordou disposto no último sábado e resolveu fazer uma visita surpresa à uma velha amizade em Piedade, cidade ao sul da capital paulista. Convocou o filho como motorista, pois é uma viagem e tanto para os seus quase 70 anos. A cidade, para quem não conhece, é bastante pacata, um povo hospitaleiro e gentil. É a própria cidadezinha qualquer que o poeta Drummond imortalizou nos seus versos. Ninguém por lá tem muita pressa, sinal de que a febre do “time is Money” ainda não chegou com tudo por aqueles recantos. As coisas em Piedade tem um ritmo próprio nem muito apressado, nem muito devagar. Trombadinhas e assaltantes são coisas estranhas e quando acontece, rapidamente, o delegado descobre que não é de Piedade, mas de alguma outra cidade vizinha ou gente da capital. E foi pensando no bucolismo da velha Piedade, que meu amigo acompanhado do filho aportou no lugarejo, passando antes num restaurante para não chegar de barriga vazia na casa do amigo, que nã

O FRANGO-PARATI

“Quem for a Ilha do Cardoso, paraíso ecológico do litoral sul de São Paulo e não  saborear o parati frito da bodega do seu Malaquias, na enseada da Baleia, podes crer, não conheceu a ilha. O sabor do peixe é inconfundível e o jeitinho do proprietário em prepará-lo o torna uma das melhores iguarias da culinária caiçara”. Meu amigo Dedo, antigo freqüentador da ilha sempre cantou em prosa e verso as virtudes do parati frito do seu Malaca e na última vez que fui para lá resolvi tirar a prova. Só que é longe, muito longe de onde estávamos hospedados, se é que se pode dizer hospedados na ilha. Na Ilha do Cardoso a gente não se hospeda, a gente se ajeita num canto, se acomoda. Para ficar na ilha a pessoa não pode ser luxenta, enjoada, fresca... Tem estar pronto para o que der e vier. Como já disse  a bodega do seu Malaquias fica longe e bota longe nisso. São quase doze quilômetros caminhando pelas praias. Assim foram três horas de andanças, contemplando o mar, a natureza quase virgem, m

O SABOR DA GALINHA - D’ANGOLA

Nunca mais saboreei galinha-d’angola depois que abandonei o hábito de passar as férias no interior, na casa de parentes. Na verdade nem me lembro mais do sabor dessa galinha.  Imagino  que é um pouco mais dura do que o frango comprado no mercado e tem um leve  sabor de caça (será?).  As galinhas-d’angola eram criadas nas fazendas, soltas e viviam em bandos; elas conseguem voar um pouco mais do que as galinhas comuns, empoleirando nas árvores próximas as casas. As galinhas d’angola vieram mesmo do continente africano, trazidas pelos portugueses durante a colonização e se espalharam pelo país de norte a sul e são também conhecidas por sakué ou guiné. Quando menino ia passar as férias na fazenda de um tio no interior de São Paulo e uma das coisas que a minha memória auditiva gravou para sempre foi o “to-fraco, to-fraco”.  Fazenda sem esse som para mim não é fazenda, pois não consegue despertar em mim as sensações de férias, de natureza, de aventura, de liberdade. Minha mãe, logo dep

A TERCEIRA MARGEM DO RIO

A metáfora de “A terceira margem do rio”, de Guimarães Rosa, uma obra prima do conto brasileiro, é o esquecimento ou alheamento de tudo. Uma tentativa de buscar um mundo de sonhos, de afastamento das coisas reais para viver numa outra dimensão. É a história de um homem que, sem mais, nem menos, para o estranhamento da mulher, dos filhos e dos amigos, manda fazer uma canoa, despede-se e parte para uma viagem sem retorno. Uma viagem que não é uma viagem. É um desligamento da vida, das coisas materiais, das relações pessoais.  Ele estava ali, a vista, mas distante de tudo e de todos.             A alienação  é constante na literatura. Em Rei Lear , de Shakespeare, o pai resolve, em vida, repartir seu reino entre suas filhas. Uma delas, a sua preferida,  considera a sua  decisão insensata. Ofendido por isso, ele a deserda. No final , já demente,  é abandonado pelas filhas herdeiras e é amparado pela filha deserdada.              Dom Quixote de La Mancha , ao embriagar-se das novela