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Mostrando postagens de novembro 20, 2017
AO VENCEDOR AS BATATAS E OS ARGONAUTAS DO PACÍFICO OCIDENTAL Num belo e ensolarado dia, o antropólogo de origem polonesa e radicado na Inglaterra, Bronislaw Malinovski,  desembarcou nas ilhas do Pacífico Ocidental numa expedição patrocinada pelo governo inglês para fazer uma pesquisa sobre a cultura dos povos da região no início do século XX. Para não se contaminar com os relatos de comerciantes patrícios, evitou manter com eles qualquer tipo de contato e foi diretamente à fonte.  O seu receio é que a visão etnocêntrica ou mesmo preconceituosa dos estrangeiros poderia influenciá-lo em sua missão de estudar a cultura desse povo. Assim, autorizado pelo chefe tribal, montou acampamento no meio da aldeia e a partir daí começou a árdua tarefa de aprender o idioma, os costumes, as estruturas familiares e de relações sociais, o sistema econômico etc., usando como forma de sedução o fumo que trazia em sua bagagem, muito apreciado pelos nativos. Os nativos fanáticos pela nicotina propor
PAIS E FILHOS Um velho amigo, quando jovem, contou numa roda que havia dando uma bronca num grupo de marmanjos que humilhavam um bêbado acompanhado do seu filho. Pelo que me recordo foram essas as suas palavras: “Vocês não podem fazer isso com esse homem perto do seu filho. O pai é o maior herói de uma criança. Vocês estão destruindo suas referências”. Fiquei orgulhoso do meu amigo que se arriscou ao desafiar uma turba ignara em defesa de uma criança. O escândalo protagonizado pelo ex-governador Sérgio Cabral Filho e que envolveu o desvio de milhões de reais a título de propinas fez com que muita gente se lembrasse do seu pai, o velho Sérgio Cabral, jornalista competente, especializado em música popular brasileira, letrista, redator do lendário Pasquim, o semanário que ousou bater de frente com a ditadura.  Pobre do Sérgio! Dizem todos os que o conheceram e leram suas colunas e reportagens.  É triste chegar ao fim da vida e ver o filho nas manchetes policiais como um dos maio
OS BONS E VELHOS ALFAIATES Foi-se o tempo em que se ia ao alfaiate para fazer uma roupa. Escolhía-se o tecido no próprio profissional ou levava o corte da preferência adquirido em lojas especializadas em tecidos, que hoje não sei se ainda existem.   Em seguida em tiradas as medidas. Braço esticado, braço encolhido, altura, largura etc. A próxima etapa era a primeira prova. Com o paletó semi-costurado fazia-se a primeira prova, depois a segunda e às vezes a terceira. Finalmente pronto, a última prova para não ter reclamações posteriores. Fazia-se um costume (ainda se chama de terno que a rigor é um costume de três peças, incluindo o colete) para um casamento próprio, para ser padrinho ou como convidado.  Era comum fazer um bom terno para uma festa de formatura dependendo de quem era o formando. No meu bairro havia um alfaiate chamado Genivaldo, uma figura simpática, gentil e de finíssimo no trato. Depois de entrar no seu atelier, ninguém escapava sem sair de lá com uma encomenda
CHAPÉUS RAMENZONI, UMA QUESTÃO DE CLASSE São Paulo até o início dos anos sessenta ainda era elegante. Nenhum homem de bem saia de casa sem um terno de casimira, gravata e um bom chapéu cobrindo a cabeça. Os chapéus eram um caso a parte, pois se tinha lá para todos os gostos e bolsos. Um Ramenzoni, confeccionado com lã de ovelha era o fino da elegância.  Lembro-me que ainda de calças curtas pedi um ao meu pai que respondeu que ainda não era tempo. Quem sabe um dia, quando me tornasse um homem de verdade poderia ter um ou até herdaria o seu Ramenzoni marrom,  aba estreita que ele cuidava com especial zelo. Para ele um menino de dez anos era apenas um projeto de homem. Ao chegar em casa ele tirava o chapéu, escovava-o e o repunha na sua caixa ovalada, colocando-o no guarda-roupa. Era um chapéu de passeio. No dia a dia usava outro mais simples e surrado.  Ai de quem tocasse nele! Mas como toda criança levada, fazia ouvidos de mercador e, na sua ausência, me admirava diante do espel
FOTOGRAFIAS Fotografar hoje em dia é brincadeira. Qualquer celular é capaz de fazer bons registros de pessoas, viagens, encontros, desencontros e inúteis paisagens. Antes da popularização das câmeras fotográficas, fazer retratos era coisa para profissionais e as famílias faziam os seus registros em estúdios, com fundo decorado e iluminação apuradíssima. Mas havia também os velhos lambe-lambes que percorriam ruas e praças para registrar imagens. O que será da fotografia? Com as câmeras digitais e celulares fazemos centenas ou milhares de fotografias, mas quase ninguém as revela em papel. Com o tempo poderão até desaparecer. Quem poderá garantir que daqui a cem anos poderemos acessar fotos que ficaram guardadas em câmeras digitais, computadores que ficaram obsoletos? É uma incógnita. A tecnologia coloca hoje os registros feitos em celulares em “nuvem”, mas se ocorrer um ataque de hackers que apague tudo? A história das imagens poderá ser perdida para sempre. De tempos em tempos
O DESAPARECIMENTO DE SULAMITA SCAQUETTI PINTO E já se foram sete anos que a Sulamita Scaquetti Pinto desapareceu. Não se sabe se ela estava triste, se estava alegre ou simplesmente estava sensível como diria Cecilia Meirelles.  Ia buscar o filho na escola e foi levada por outros caminhos até hoje desconhecidos. Ninguém sabe se perdeu o rumo, a memória, razão ou a vida. Simplesmente, a moça bonita, de belos olhos azuis nunca mais foi vista.          Os pais, os amigos e os parentes saíram pelas ruas perguntando a quem passava, mostrando a fotografia, mas ninguém viu. Alguns diziam que viram, mas não viram ou apenas acharam que era ela, mas não era. Participamos dessas desventuras quando tiveram notícias de que uma moça com a descrição da Sula havia aparecido num bairro distante. Era triste ver os pais desesperados por uma notícia da filha, com uma fotografia na mão, lembrando da tatuagem nas costas, dos cabelos loiros, dos olhos azuis, mas como de outras vezes, voltaram de mã
A PASSARINHA CHEGOU COM A PRIMAVERA Ao meio dia do início da Primavera uma amiga, dessas que riem de modo a ouvir-se de longe,  teve uma agradável surpresa: uma passarinha, dessas coloridas e desavisadas, cansada de voar para lá e para cá, entrou pela janela de sua sala, mesmo sem ser convidada e viu no vaso de uma pequena “árvore da felicidade”, a possibilidade de por os seus ovos e procriar. Lá fez o seu ninho sorrateiramente e se estabeleceu. Ficou aí provado que não são apenas os seres humanos que invadem terrenos desocupados para criar um lar, também, os passarinhos voam a procura de um teto e às vezes o encontram em locais menos prováveis.  Talvez já esteja se formando um movimento dos pássaros sem teto, o MPST. Com tantos movimentos por aí, mais um não vai atrapalhar e eu já me candidato a sócio colaborador. Os passarinhos sofrem muito com o desmatamento, pois as árvores estão se tornando cada vez mais raras em nosso meio ambiente. Além de raros, os ipês, oitis, cinamomo
MARIANA, A PRIMEIRA CAPITAL MINEIRA E SEUS FANTASMAS Há quem diga que Mariana, pequena cidade colonial distante doze quilômetros de Ouro Preto é mais bela do que a antiga Vila Rica, aquela cantada em prosa e verso pelos poetas da Inconfidência. Foi acreditando nisso que nos hospedamos por lá em 1997. Um belo e bem localizado hotel ao lado igreja matriz pareceu ser uma boa pedida para conhecer o local, visitar museus e igrejas. Mas Mariana foi, em verdade, a primeira cidade mineira e, também, sua primeira capital florescendo no ciclo do ouro e chegou a pertencer a Capitania de Itanhaém, tendo sido, portanto, uma extensão do território paulista. O seu nome foi uma homenagem do Rei Dom João V a sua mulher, Maria Ana, duquesa da Áustria. Estaria tudo maravilhoso se a praça da matriz não fosse o local escolhido pelos carnavalescos de Mariana para os ensaios que se estendiam pela madrugada. Era impossível dormir. O esperado sono só chegava mesmo quando os últimos foliões deixavam a
UM FUTURO JORNALISTA Estava com quatorze ou quinze anos quando decidi que seria jornalista. Por quê? Achava o máximo sentar diante de uma máquina de escrever (das antigas), fumando Mistura Fina (o cigarro do meu pai) e prevendo o futuro político do país numa redação repleta de grandes cabeças pensantes. Com esse futuro planejado fundei com o Tomás Padovani, um ex-seminarista, colega de classe, o meu primeiro jornal, que em verdade era um mensário, pois jornais devem ser publicados todos os dias (giorno). O nome era H.Zetinha e foi sugerido pelo Tomás. Publicamos poesias, curiosidades e entrevistas com professores. A primeira entrevista foi com a professora de português, Da. Takiko, uma nissei tímida e reservada e foi difícil tirar alguma coisa dela. Confesso que fui agressivo por ela não responder a maioria das questões propostas, mas depois me arrependi e pedi desculpas. O outro entrevistado foi o professor de História, Josué Augusto da Silva Leite que falou sobre tudo, menos
PARIS: UM LUGAR PARA SE DESPEDIR QUANDO O MUNDO ACABAR Paris deve ser mesmo uma cidade magica. Parece que o mundo todo um dia vai se encontrar em Paris. E se um dia se souber com antecedência que o mundo vai se acabar por um choque de um meteoro gigante contra a Terra, vai ser um congestionamento monstro no Aeroporto de Orly, pois todos que puderem vão se despedir da vida terrena e para a última taça de vinho, para uma última visita ao Museu do Louvre, ao Palácio de Versalhes, a Torre Eiffel, ao Museu D’orsey ou a Igreja de Notre Dame para os católicos mais fieis. Roma, Londres, Madrid, podem ser cidades interessantes, mas nenhuma se assemelha a velha Lutécia pelo seu charme, pela poesia, pela arte, enfim, pela sua magia. Mas para ser sincero penso que o filme Melancolia retrata melhor uma possível hecatombe com um planeta se aproximando lentamente da Terra. O planeta tem o nome de Melancolia, bem a propósito. Mas como escreveu Betty Milan: “Paris não acaba nunca”. Se visi
OS JAPONESES O extremo oeste de São Paulo foi a última área de expansão agrícola do Estado. No final dos anos vinte do século passado os índios e posseiros foram expulsos para darem lugar aos imensos cafezais, que mesmo com a crise de 1929, ainda representava a possibilidade de riqueza para os imigrantes que lá se estabeleceram. Grandes hordas de japoneses, italianos, espanhóis, portugueses e migrantes de outras regiões do Brasil ocuparam a região como trabalhadores diaristas, meeiros, parceiros, pequenos e grandes proprietários. O filme da cineasta Tizuko Yamasaki, Gaigin, retratou fielmente a vida de muitos colonos japoneses em São Paulo que foram explorados por fazendeiros inescrupulosos que se aproveitavam das dificuldades da língua e diferenças culturais do povo do Sol Nascente, instituindo uma semiescravidão. Mas esse problema não foi generalizado e esse povo trabalhador, obstinado e disciplinado se integrou bem em várias regiões, como a da Noroeste Paulista, p