CHAPÉUS RAMENZONI, UMA QUESTÃO DE CLASSE
São Paulo até o
início dos anos sessenta ainda era elegante. Nenhum homem de bem saia de casa
sem um terno de casimira, gravata e um bom chapéu cobrindo a cabeça. Os chapéus
eram um caso a parte, pois se tinha lá para todos os gostos e bolsos. Um
Ramenzoni, confeccionado com lã de ovelha era o fino da elegância. Lembro-me que ainda de calças curtas pedi um
ao meu pai que respondeu que ainda não era tempo. Quem sabe um dia, quando me
tornasse um homem de verdade poderia ter um ou até herdaria o seu Ramenzoni
marrom, aba estreita que ele cuidava com
especial zelo. Para ele um menino de dez anos era apenas um projeto de homem.
Ao chegar em
casa ele tirava o chapéu, escovava-o e o repunha na sua caixa ovalada, colocando-o
no guarda-roupa. Era um chapéu de passeio. No dia a dia usava outro mais
simples e surrado. Ai de quem tocasse
nele! Mas como toda criança levada, fazia ouvidos de mercador e, na sua
ausência, me admirava diante do espelho prevendo o dia em que teria o meu e
poderia encantar as moças elegantes na Rua Direita.
A fábrica de
chapéus Ramenzoni era lendária em São Paulo. Foi fundada pelo italiano Dante
Ramenzoni em 1894. Ele trouxe de Parma, sua cidade natal, as técnicas de
produção de chapéus e aqui recomeçou a fabricá-los aproveitando a oportunidade
de um país que crescia muito rapidamente. Nos anos 1950 a fábrica chegou a
produzir 6000 chapéus por dia e ainda havia outros fabricantes como Cury e
Prada, também conceituados. Mais de 1800 empregados sustentavam suas famílias
fabricando chapéus e fazendo a fortuna do velho italiano e seus descendentes. A
indústria chapeleira era tão importante que nos anos 1917 tivemos a primeira
grande greve paulistana, chamada de Greve dos chapeleiros. As condições de trabalho
eram muito difíceis e os direitos eram poucos ou inexistentes.
Mas os chapéus
caíram de moda. Mudanças culturais aqui e no mundo, aposentaram as belas
coberturas de cabeleiras ou de reluzentes carecas. As moças já não se incomodavam com rapazes elegantes tirando parcialmente os
chapéus para cumprimenta-las. Passaram a apreciar as cabeleiras bem penteadas
ou em desalinho e somente alguns carecas ainda insistiam em usá-los para
disfarçar a calvice. Os filmes americanos já não mostravam homens de chapéu e
galãs como James Dean dirigindo seu Porsche com os cabelos ao vento encantavam
mais as garotas do que circunspectos homens de terno e chapéu.
Outra mudança
foi no clima e a velha garoa que caia em São Paulo quase todo final de tarde,
inspirando poetas e seresteiros, desapareceu com o desmatamento e expansão
urbana. “Eh São Paulo! São Paulo da
Garoa, São Paulo terra boa!”. Sem garoa e sem astros de Hollywood usando chapéus,
a Ramenzoni fechou suas portas em 1972. A marca ainda existe, mas quem fabrica
é a Cury, que adquiriu os direitos de usar o nome. “Não é a mesma coisa”, diria meu pai, um fã
ardoroso da marca que ainda usava o seu cobrindo a calva, mesmo sendo
considerado um hábito démodé.
E de fato herdei
o seu Ramenzoni, mas precisei disputa-lo com uma sobrinha, que por ser a neta
mais velha e com sobrenome italiano, arvorou-se de direitos. Por fim ela
concordou que deveria ficar comigo o chapéu símbolo de uma São Paulo que não
existe mais, pois ainda poderia usá-lo nas raras tardes em que a garoa despenca
dos céus como um choro triste e cheio de saudades: “Eh São Paulo! São Paulo da
garoa, São Paulo terra boa”.
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