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Mostrando postagens de junho, 2008

MANAUS E O ENCONTRO DAS ÁGUAS

Por hoje e talvez por amanhã também, nada será tão poético para mim como a expressão: o encontro das águas. Águas que vêm do sem-fim das Américas, das águas do degelo dos Andes, que vêm arrastando paus, pedras, vidas, flores, dores, amores por onde passam e de repente se encontram com outras águas, águas escurecidas, que vêm do norte, do sem fim do lado de lá do Equador. E foi isso que eu vi, com esses olhos que um dia a terra há de devorar que as águas do Solimões e as águas do Rio Negro se abraçam num enlace amoroso e permanente até chegar ao mar. Uma simpática senhora manauense me perguntou se era realmente verdade que das margens do Rio Negro seria possível mesmo ver o encontro das águas. A verdade está no olhar de cada um. O poeta finge que vê e que também não vê. Enquanto isso, o rio arrasta suas águas indefinidamente até o final dos tempos. O físico e quase poeta Stephen Hawking disse que o universo em expansão um dia faria o caminho inverso até o nada. Voltaríamos todos até o

REFLEXÕES SOBRE OS DIREITOS SOCIAIS

A sociedade moderna é um espetáculo de exclusões sociais constantes. A cada nova turbulência do capitalismo milhões de indivíduos são jogados numa vala comum. Essa imagem é metafórica, mas não perde conexão com a realidade concreta. Não se trata de um massacre clássico no sentido da violência física em que o carrasco se apropria do corpo do outro e o destrói. É um massacre sutil, mas igualmente destrutivo, pois nega ao outro os direitos fundamentais à vida. É o massacre em que são utilizados mecanismos retóricos que mascaram uma ideologia cruel e avassaladora, convencendo o outro da sua condição de paria social, de um desnecessário ao sistema produtivo, algo descartável no sentido exato que se dá a esse termo na sociedade de consumo, enfim, é a reificação do ser humano. O espaço público é negado da forma mais violenta, pelo não reconhecimento ou mesmo da negação da existência do outro. Como destaca Hannah Arendt (2001) a história do mundo moderno poderia ser descrita como a história

Oscar de Vito, um artista de talento

Depois de vinte e três anos fomos rever um amigo. Lá estava ele com os bigodes grisalhos, os olhos ainda mais miúdos e o sorriso simpático. O abraço ainda era forte e sincero, sugerindo que sentia prazer em rever-nos. Mal sabíamos por onde começar. Falar de trabalho, de lembranças antigas, da cidade, do barulho, da crise econômica, do medo do futuro? Mas as pessoas que não tiveram uma relação formal ou apenas superficial, mas profunda, acabam desatando os nós do tempo e articulando novas conversas e por fim conseguem se reencontrar como se o tempo não tivesse passado, que foi apenas um breve intervalo entre acontecimentos. A casa muito aconchegante, com quadros de barcos espalhados pelas paredes, sugerindo que estava ocupada por um velho marinheiro que abandonara suas lidas com o mar e se recolhera ao aconchego de antigas lembranças. Confesso que fiquei surpreso com o interesse do amigo por barcos, mar, marinheiros, pois tinha em mente que o Oscar era pouco ligado ao mar e preferia o i

JOSÉ DE ARRUDA PENTEADO, UM EDUCADOR

Num dia desses  visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o tempo