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LUIZ DE MIRANDA FIGUEIREDO, UM EXECUTIVO EXEMPLAR

Figueiredo, como era conhecido, amadureceu cedo e com dezessete anos resolveu tentar a vida em outras plagas. Foi para os Estados Unidos terminar o curso colegial. Ele comentou-me uma vez que seu pai sempre dizia com relação a ele: “Esse menino vai andar com as próprias pernas”, numa alusão à perspectiva de que ele ia construir sua vida sem depender de ninguém, nem mesmo dos pais. E assim foi.

Nos EUA terminou o colégio e ingressou numa escola de engenharia, estudando a noite e trabalhando durante o dia para pagar os seus estudos. Depois foi engenheiro de operações em uma grande empresa petrolífera onde adquiriu a experiência que nortearia seu futuro profissional.

De volta ao Brasil, já experiente e dominando o idioma inglês como um nativo, assumiu um cargo executivo na Shell, com sede no Rio de Janeiro. Depois convidado para a gerência geral das Tintas Ypiranga em São Bernardo do Campo. Tempos depois foi convidado para assumir a diretoria Administrativa e Financeira de uma empresa  petroquímica de um grande grupo empresarial, o Unipar, com sede no Rio de Janeiro.

 No Rio de Janeiro morou no mesmo prédio que o General Figueiredo, que depois se tornaria o quarto general presidente com quem estabeleceria uma longa amizade. Quando da posse de Figueiredo como presidente da República, Luiz recebeu o convite para participar da cerimônia de posse. Agradeceu o convite alegando problemas particulares, mas seu comentário foi bem típico: “Vou procurá-lo somente depois que ele terminar o mandato, pois não quero dar a impressão de que estou precisando de alguma coisa”.

Era uma pessoa muito reservada e mesmo com os profissionais mais próximos, mantinha uma rígida formalidade, não admitindo intimidades. Entretanto, era sempre educado e cordial com todos, independentemente do nível hierárquico. Era rígido em seus princípios de gestor. Tinha por princípio a meritocracia, rejeitando o apadrinhamento. Odiava a expressão “time que está ganhando não se mexe”, pois acreditava que isso gerava acomodação nas organizações. No final do ano participava da brincadeira do amigo oculto, mas nunca ficava para a distribuição dos presentes, deixando para a secretaria a incumbência de representá-lo. Num ano fui sorteado como seu “amigo” e tratei de consultar a secretária sobre seus gostos e interesses. Foi assim que comprei duas boas seleções de música erudita na velha loja Bruno Blois.  Depois das festas de fim de ano ele veio pessoalmente me agradecer pelo presente e elogiando a qualidade dos discos.

Não gostava de elogios à sua pessoa. Via nisso sintoma de bajulação. Quando se desligou da empresa para a aposentadoria, participou de uma última reunião no conselho administrativo no Rio de Janeiro e seu sucessor resolveu tecer loas ao grande gestor durante sua passagem de quase vinte anos na empresa. Segundo testemunha, ele ficou profundamente irritado, mas deixou para falar com o amigo no voo de volta a São Paulo. “Eu nunca pedi para ninguém elogiar o meu trabalho e não lhe dei procuração para tal”.  Não disse mais nenhuma palavra durante a viagem.

Encontrei com o Figueiredo em um supermercado alguns meses atrás. Estava com a esposa fazendo compras. Demonstrou simpatia ao me encontrar e esboçou o desejo de reencontrar pessoas com as quais havia convivido durante os longos anos de empresa. Fiquei de fazer uns contatos e retornar. Infelizmente ele viajou antes de poder rever velhos amigos em 08/3/2016. Deixou esposa, filhos e netos.

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