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QUE HORAS ELA  VAI CHEGAR?



O filme se baseia numa história comum em nosso cotidiano. Uma empregada doméstica numa residência burguesa, que deixou a filha em Pernambuco aos cuidados de uma irmã. Mas a filha fica moça e resolve prestar vestibular para ingressar na USP.
Estaria tudo certo se a empregada doméstica tivesse a sua própria casa para receber a filha. Mas não. Ela mora no emprego desde que chegou do Nordeste ajudando a criar o filho do casal, pois a mãe trabalha fora e o pai, um rico burguês que recebeu uma herança, não faz absolutamente nada, tampouco cuidar do filho.
A dona da casa concorda que a filha da empregada venha morar em sua casa por um tempo suficiente para que ela se arranje. A partir daí as relações com a empregada começam a mudar. Antes ela era vista como uma pessoa da família, que ajudara a criar o filho do casal. Ela era ótima, pois não criava problemas e servia a família quase como um serviçal dos tempos coloniais.
Com a filha, avessa aos padrões de comportamento burguês, começa a quebrar as regras da casa, como comer o sorvete preferido do filho, sentar a mesa do café da manhã e entrar na piscina. Entrar na piscina foi demais para os patrões, que viram nisso uma invasão do seu espaço senhorial. A cena lembra um pouco a história vivida por uma cantora negra nos EUA que ousou entrar na piscina do clube de madrugada. No dia seguinte a piscina foi esvaziada e lavada, pois um ser considerado “inferior” ousou banhar-se no mesmo local dos seus sócios brancos.
Aos poucos a empregada que era tratada com todas as mesuras possíveis para uma empregada, principalmente, porque ela conhecia o “seu lugar”, começa a perceber as relações de classe, desencadeada com a presença da filha.  O lugar dela era da área de serviço para trás. Nos demais espaços da casa sua presença era permitida apenas para limpar ou servir.
O filme retrata do ponto de vista sociológico, o conflito de classe existente no cotidiano da vida familiar, não só das elites, mas também da classe média, cujos membros precisam trabalhar e dependem de alguém para cuidar da casa e dos filhos. A empregada se sente realmente da família, até o momento em que ultrapassa os limites estabelecidos pela família. A partir daí é convocada a se colocar no “seu lugar”.
Esse problema é mais comum do que se possa imaginar, pois após a empregada participar da vida familiar, funcionar muitas vezes como confidente, dando opiniões etc e tal, há o momento em que recebe uma bronca por um serviço mal feito ou por uma indiscrição. Nesse momento as relações de classe emergem como uma ruptura nas relações até então amigáveis. A partir daí se torna impossível à empregada continuar trabalhando na casa, pois se rompem as relações cordiais, que Sérgio Buarque de Holanda define, nas entrelinhas de “Raízes do Brasil”, como falsas, frutos  de interesses e relações de favores.
O filme, muito bem interpretado por Regina Casé merece ser visto, mesmo considerando que nem todo o elenco está à altura da protagonista. É também um filme divertido se não fosse também trágico.


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