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HANS, UM SUIÇO BRASILEIRO

Hans era ou é um suíço quase brasileiro, pois veio para o Brasil ainda jovem e adorou o país, interessando-se pela nossa cultura bastante diversificada com várias influências  Foi contratado  trabalhar na empresa através de uma construtora durante as obras para a instalação de novas unidades produtivas.

O que causou admiração, é que o Hans, que morava sozinho por aqui, optou por dormir em uma barraca de camping no meio da fábrica. Poderia muito bem se hospedar num hotel em Santo André ou São Bernardo do Campo, evidentemente com maior conforto. Mas para ele seria muito cansativo dirigir até a fábrica e principalmente para ele que não tinha muito prazer em dirigir em nosso trânsito caótico. Aliás, nem sei se ele possuía um carro.

Fiquei curioso para conhecer a figura e foi num dia em que ele esteve no setor de pessoal que acabei por encontra-lo.  Curioso, como sempre, quis saber por que acampava na fábrica, pois na juventude acampar era um dos meus divertimentos prediletos. Até recentemente, fiz companhia para o meu neto e acampamos em nosso jardim. Confesso que não foi muito divertido como em tempos idos, pois os ossos se ressentem do desconforto.

A partir desse encontro o Hans sempre aparecia para um cafezinho e conversarmos sobre as suas experiências como suíço num país tropical e relaxadamente subdesenvolvido. Interessou-se pela influência indígena na toponímia brasileira, como nomes dos rios, cidades e outras coisas. Como eu tinha algum conhecimento do assunto, explicava o sentido de algumas  palavras e percebi que ele ficava deslumbrado e sempre com um caderninho no bolso, anotava tudo como se fosse um colegial em sala de aula.

Um fato pitoresco que me contou na época, foi uma viagem que fez de Zurique a Nova Iorque. Sentou-se ao lado de um holandês e apesar do parentesco linguístico com o alemão, a conversa ficou difícil, principalmente porque o alemão dos cantões suíços era muito diferente do alemão falado em Bonn, por exemplo. Mas como não havia acerto, resolveram continuar a conversa em inglês, mesmo sem nenhum dos dois terem bons conhecimentos do idioma de Shakespeare. No final da viagem o holandês acabou comentando que morou muito tempo no Brasil. Ao ouvir isso, Hans lamentou saber disso somente no fim da viagem e imaginar passaram toda a viagem brigando com uma língua que nenhum dos dois conhecia muito bem. No pouco tempo que restou, ainda conversaram um pouco em quase bom português sobre coisas do Brasil. No aeroporto, ainda tomaram um café e se despediram, trocaram endereços, mas provavelmente nunca mais se viram.

Alguns dias antes do fim do contrato de trabalho do Hans, dei a ele um pequeno dicionário Tupi Guarany que tinha em casa. Ele ficou emocionado com o singelo presente e pediu que eu fizesse uma dedicatória. Foi então que escrevi: “Para o Hans, um amigo suíço apaixonado pelo Brasil’. Ele ficou feliz como uma criança e saiu dizendo: vou ler ainda hoje e ainda vamos conversar sobre isso.

Infelizmente, o dia em que o Hans passou na minha sala para se despedir eu não estava e ficamos sem trocar endereços e telefone. Esse episódio ocorreu há quase quarenta anos e ele já beirava os sessenta anos ou mais. Com certeza ele não retornou para a Suíça e se ainda estiver vivo, deve estar morando num pequeno sítio que ele possuía nos arredores de São Paulo, acordando com os passarinhos e tentando adivinhar, pelo canto, se é uma sabiá, um quero-quero ou um sanhaço.

·        Não tenho muita certeza do nome. Se alguém se lembrar, agradeço.

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