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Marcia Gonçalves: uma luz que passou por aqui.

 

A querida Márcia partiu. Partiu cedo demais para alguém que tinha muita alegria e uma irradiante simpatia nos tempos em que desfrutava de uma vida saudável. A doença foi implacável com a nossa amiga. Mas ela foi feliz até o seu dia derradeiro, sempre amparada pelo seu jardineiro fiel, Carlinhos Kalunga, que cultivava flores no jardim da vida enquanto esperava por sua recuperação.

Convivemos pouco, mas foi o suficiente para selar uma grande amizade. A mudança para o Rio de Janeiro em razão dos compromissos profissionais do seu marido músico a afastou do convívio com muitos dos seus amigos, mas ela sempre continuou presente em nossas lembranças. A última vez que a vimos foi às vésperas de um ano novo, quando o casal se mudou para Santo André. Foi uma noite alegre, cheia de música e sempre, sempre, a sua simpatia aconchegante que fazia com que seus amigos fizessem parte da sua vida.

Recordo-me de algumas vezes em que o casal esteve em nossa casa, uma delas com o Sinésio e Ana Amélia. Foram tardes saborosas e inesquecíveis e sempre com muita música e histórias dos nossos tempos de juventude. Quantas aventuras! E teve o delicioso fim de semana prolongado que passamos em Butiá, terra dos Dozzi Tezza, que foi inesquecível. Quanto riso, oh quanta alegria... As brincadeiras, assustando uns aos outros com os imaginários fantasmas que rondavam a velha casa. Os almoços e jantares com todos sentados no terraço, pois a casa era muito, muito engraçada, apesar de ter teto e paredes, mas não tinha móveis e tampouco cadeiras. O Carlinhos tocando seu violão pela madrugada adentro. E a Marcinha participando de tudo, sempre feliz e sorridente.

A velha casa não existe mais e hoje, como diria o poeta Drummond, é apenas um quadro na parede, mas como dói. A dor é por conta da partida da Marcinha que vai doer eternamente entre todos os que tiveram a oportunidade de conhecê-la. Evoé Marcia! Você sempre estará presente em nossos pensamentos enquanto durar essa centelha de vida que insistimos por descuido ou poesia, mantê-la acesa.

E você querido amigo Carlinhos Kalunga contará sempre com o nosso carinho e amizade para que possa suportar a dor da perda. Aos poucos, depois de derramar todas as lágrimas (mas sempre restará um pouco), abra as janelas e olhe para o infinito, que é de onde os que partem saúdam os que ficaram. E quem sabe, talvez um dia desses, numa das primaveras que surpreendem a gente vadeando nesses tempos sombrios, alguém fará um belo poema que você transformará em música para co-memorarmos a querida e inesquecível Márcia.

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