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O ROUBO DO BARÃO


Deu nos jornais que um homem modesto havia roubado um pedaço de carne e por isso foi parar atrás das grades. Ele alegou ao seu doutor, que pegou a carne por necessidade, pois o filho estava faminto. A história sensibilizou até os policiais que fizeram uma coleta para comprar-lhe alguns mantimentos.
Roubar para saciar a fome de si ou de outrem não seria crime se seguirmos o adágio popular, mas para a lei, roubo é roubo e não adianta chiar.  Tirar algo de alguém sem autorização é crime e para um juiz que segue a lei com rigor, é o enquadramento no código 171.
Mas existe outro adágio popular em nossa Pindorama, que diz que “roubar pouco é ladrão, e roubar muito é barão”, que felizmente parece estar perdendo a validade, pois muitos barões estão vendo o sol nascer quadrado. Mesmo assim, não são chamados de ladrões ou larápios, mas empresários ou executivos corruptos, pois ladrão é considerada uma expressão pesada demais para os chamados colarinhos brancos. É bom que se diga, também, que nem todos eles usavam os colarinhos brancos, coisa que está saindo de moda.
Mas uma história leva a outra, como dizia meu pai, um bom contador de histórias e cá estou a lembrar do nosso bom e velho barão, um cão vira-lata que ganhamos nos bons tempos de infância em São Caetano do Sul. Naquela época era comum usar títulos de nobreza para os não menos nobres cães. Em nossa rua havia duques, barões, marqueses, condes, marajás etc. Talvez fosse uma forma irônica de gozar os poderosos. Mas vamos ao nosso nobre e valente barão, um cão branco, com manchas marrons na cabeça e no corpo. Ele vivia muito mais nas ruas do que propriamente em casa, pois o portão ficava sempre aberto, mas ele voltava sempre para dormir em casa, como um rapaz de boa família.
Num dos seus passeios diários, o barão visitou o açougue do bairro e surripiou uma bela peça de picanha de um desavisado açougueiro que a deixou exposta no balcão. Como um bom garoto que era, foi para casa com a bela refeição para saboreá-la tranqüilo, mas um vizinho, mais esperto lhe tomou o butim, deixando o cão com água na boca, como fazia o Pavlov ao tocar a campainha.
Mas o açougueiro, que conhecia de vista nossa família e o cão, veio no seu rastro algum tempo depois para cobrar a picanha dos proprietários do “larápio”, para a surpresa de minha mãe que garantiu que o nosso barão não era ladrão, mas um cão de uma família de respeito.
A conversa começou a esquentar quando o mistério foi desvendado ao sentirem um aroma de carne assada do nosso vizinho que acariciou as narinas sensíveis do açougueiro. Imediatamente ele concluiu que era a sua picanha e lá foram os dois para a casa do vizinho que alegou que pegara a carne do cão e não tinha como saber se era ou não roubada. Por via das dúvidas, minha mãe, sempre muito despachada, pegou a carne com espeto e tudo e dizendo “Já que o cão é meu e vou ter de pagar a carne, vou aproveitar a picanha para o almoço”. De sobra deu uma bronca no vizinho que não se envergonhava de roubar carne de um pobre cão.
Para encerrar a conversa ela mandou o açougueiro pendurar a despesa e naquela tarde de um sábado ensolarado e distante, saboreamos uma deliciosa picanha preparada com esmero pelo vizinho gaucho, que do delicioso assado ficou apenas com o aroma. Quanto ao barão, teve direito a alguns nacos da carne com a promessa de que nunca mais cometeria tal delinqüência.
E por essas e outras acabei por recordar a história do nosso cão que era, a bem da verdade, mais do meu irmão caçula do que nosso, que lhe ensinava vários truques e eram inseparáveis. Quando meu irmão chegava da escola o barão ia esperá-lo dois quarteirões antes de nossa casa sempre no horário. Quando ele se atrasava, ficava sentado aguardando-o como um fiel escudeiro medieval. Durante uma viagem de férias do meu irmão, o barão ficava até de madrugada esperando-o na esquina. Quando começava a amanhecer, ele voltava para casa triste que só vendo. Numa noite, a presença do barão evitou que um malandro atacasse meu irmão a um quarteirão de nossa casa, botando-o para correr.

E assim uma notícia de roubo para matar a fome me fez lembrar do bom, velho e nobre barão, um cão sem pedigree, mas muito valente que defendia seu território com unhas e dentes e apreciava bons cortes de carne bovina e junto com ele, seu dono, meu querido e saudoso irmão caçula que nos deixou bem antes do tempo.

Comentários

  1. conheci a Marcia......ou melhor.....tive o prazer de conhecer a Marcia....a menina que transpirava nas mãos...Andava sempre com um lenço na mão......e sempre vivia se desculpando pelo fato de molhar as minhas, quando andavamos pelo colegio Vila Olimpica, atual Moura Branco......A Maria namorava o Rodolfo dono de uma Kombi, e saiamos vez ou outra todos nós. A Vera morava na vila Paula...e por vezes ela me ensinava matemática( nosso professor era o Chico)....
    Certa vez, descemos todos dentro de um jipe conversivel a Lemos Monteiro( rua proxima ao colegio), em alta velocidade. Eu era um moleque inconsequente....sem noção......mas inocente.......ainda era...Mas nos separamos....mas sempre me lembrava dos momentos do terceiro colegial( antigo colegial).....com saudades.
    Fiquei triste ao ler agora, sobre a ida da Marcia pro outro plano.......meu coração está triste.........
    O seu Manuel, esposo da madrasta Denise, sempre que eu ia á sua casa, em recebia bem......aliás....ele sempre foi amavel com todos.....
    Eles tinham uma menina pequena na época, chamada Denise também....muito linda......
    Poxa...nem sei o que dizer.....
    Apenas posso dizer que estou sentindo algo muito triste....
    Que a Marcia esteja agora, junto de minha mae e de meu pai, rindo como sempre......com inocencia......e pureza.
    Um beijo pra Maria, pra Vera.....e que Deus os abençoe....
    GILMAR DE CARVALHO REPOLHO

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