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AS CARAMBOLAS DO ZECA









Ter um pé de carambola no quintal é um privilégio e quem garante é o meu amigo Zeca. Pássaros em profusão invadem os seus domínios para saboreá-las e ele feliz, ri de modo a ouvir-se de longe. Às vezes pega o violão e começa a cantar e, de repente, sabiás, sanhaços, maritacas pousam na sua varanda para ouvi-lo. Mentira! Vocês não conhecem o Zéca da Silva, um sujeito encantador de passarinhos. Canta tão bem na língua dos pássaros que com eles conversa e tem bem guardados seus inúmeros segredos.
No seu quintal a passarada chega cedo para o banquete diário, acordando toda a vizinhança. Um vizinho do lado já reclamou do barulho no juizado de pequenas causas, mas levou um sabão do meritíssimo, que disse em seu despacho: “Não gostar de passarinho em cidade grande, poluída e desalmada como a nossa, merece uma boa lição: colocar frutas para os passarinhos todos os dias durante um ano. E tenho dito”.  Mentira! Pois perguntem ao Zeca que não é homem de contar lorota.
Mas voltemos às carambolas... As carambolas do seu quintal são realmente graúdas e com apenas uma delas, pode-se ter suco para saciar a sede de uma tropa. Mentira?  Vocês não conhecem o pé de carambola do Zéca, uma dádiva divina, um presente do Olimpo que os moradores de São Caetano observam de longe. Já houve até um amigo, candidato a vereador, que colocou em sua plataforma política o tombamento da árvore como patrimônio da cidade. Porém, o Zéca puxou a faca: “Pra tombar meu pé de carambola vai precisar passar por cima do meu cadáver”. Até explicar esse negócio de tombamento, o candidato perdeu as eleições e ficou por isso mesmo. Mentira! Pode até ser, pois ouvi esta conversa num churrasco na casa do Marcão, depois de muita cerveja.
Quando as carambolas começam a ficar amarelinhas ele colhe as melhores e presenteia os seus melhores amigos ou aqueles que estão mais próximos. Para os que moram longe, mesmo sendo melhores ainda, ele pede desculpas, mas não dá para despachar as carambolas, pois chegariam inaproveitáveis para os sucos, geleias e doces. Os premiados ficam emocionados com a gentileza do amigo e chegam em casa felizes como crianças. Acordam a mulher para falar das carambolas do Zéca, mas nem todas as mulheres conheceram carambolas na infância e não dão valor para isso.  Uma pena!
Carambola é fruta que quase ou nunca se encontra em quitanda ou supermercado. É fruta de quintal, principalmente de vizinho. É fruta que fazia a molecada de vila invadir os quintais dos vizinhos aquinhoados com pés de carambolas para, sorrateiramente, apanhá-las, encher os bolsos e sair contando prosa com mais de metro. É bom dizer que pegar carambolas no quintal de vizinho não é roubo e para corroborar tal afirmação existe até jurisprudência sobre o assunto e quem garante é um causídico renomado que pediu para não ser citado.
E para encher ainda mais a bola do Zeca, vou contar um segredo: o homem, nos seus momentos de recolhimento, prepara coisas deliciosas com as carambolas, como Geleia, doce, torta, pudim, sorvetes, bolos etc. E não fica só nisso. Ele inventou um salmão com molho agridoce de carambola que é uma iguaria digna do chef Atala. Até já foi convidado para apresentar suas receitas em um programa de televisão.  O Zeca só não foi lá por pura modéstia e também por não gostar de publicidade. Mentira! Pergunte para a sua filha Lilica, que infelizmente está morando na Austrália e não pode confirmar.
Mas quem é que não gostaria de ter um amigo carambolesco, bom de coração e sambista como o Zeca? Ah! Isso é coisa para privilegiados como eu, Celinha, Jorge, Alcione, Sinésio, Marcão, Flávia, Ademir, Dedo, Ângela, Erasmão, Silvião e tantos outros que precisaria uma página para citá-los. E para finalizar essa crônica, devo lembrar que a carambola é uma fruta meio azedinha, mas a do nosso amigo é doce como mel. Mentira! Pois perguntem aos passarinhos que ele cria soltos no quintal. Infelizmente, para quem ainda não provou da fruta, vai ter que esperar o ano que vem, pois a safra deste ano já era.

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