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MANHATTAN REVISITADA

A broca do dentista doía fundo, parecendo que fustigava a minha alma. Enquanto o dentista cutucava minhas caries, dava uma espiadela na televisão ligada. De repente, aparece um avião se aproximando das torres do World Trade Center. Vai bater, vai bater... O avião se choca contra uma das torres que começa a cair como um castelo de cartas. Segurei a mão do dentista para ver melhor o triste espetáculo. Não era ficção ou efeito especial de um filme. Era uma triste realidade. Um avião, seqüestrado por terroristas do Al Qaeda atingiu um dos principais símbolos do império norte-americano. Milhares de mortos. Eram pessoas que estavam ali para trabalhar, fazer negócios, reuniões e de repente encontraram uma morte inexplicável.

Neste momento lembrei-me de um velho poema do Drummond, Elegia 1938, que termina com o verso: “Porque não podes, sozinho, dinamitar a Ilha de Manhattan”. Será que os extremistas do Al Qaeda leram o poema? Ou será que é um desejo inconsciente de todos os povos subdesenvolvidos? Por que Drummond escolheu a Ilha de Manhattan? Símbolo maior do capitalismo já naquela época? Dinamitando a ilha resolveria todos os problemas do mundo?

Naquela noite na sala de aula, os alunos estavam inquietos. O que será que vai acontecer agora? Vamos ter uma guerra nuclear? Procurei acalmá-los mostrando que foi um fato isolado, que os EUA não se aventurariam num confronto mundial utilizando todo o seu arsenal de maior potência militar do planeta em função do problema, por mais trágico que fosse. Não era um inimigo declarado na forma de um estado nação, mas um grupo radical querendo chamar a atenção.

No dia seguinte eu estava em um congresso internacional no SESC de Vila Mariana. Alguns conferencistas não vieram porque os aeroportos de Nova York e de outras cidades americanas estavam bloqueados, os que conseguiram chegar estavam tensos, preocupados. Um conferencista brasileiro, aproveitou para ler o poema do Drummond antes da sua fala. Ele também se lembrou do poema como eu e provavelmente muitos outros teriam lembrado.

No noticiário apareceram povos árabes xiitas comemorando o feito, como uma grande vitória futebolística. As pessoas vibravam ensandecidas com gritos de vitória. Só lá no Oriente Médio? Claro que não. Tive notícias de que na USP, estudantes radicais também vibraram com o ataque ao símbolo maior do capitalismo. Para o radicalismo a vida não tem nenhum valor. As famílias enlutadas, filhos sem pai ou sem mãe, os pais que perderam seus filhos em pleno vigor da vida, também não tinha significado algum. O que importa é o resultado, maquiando uma possível ética maquiavélica no ato. Morrer ou matar por uma causa é o que vale, o resto são conseqüências de somenos relevância.

As ideologias não podem ser ignoradas. Elas tem uma força tão avassaladora que supera qualquer obstáculo humanista ou ético. As pessoas vivem e morrem por elas. Como os soldados retratados por Geraldo Vandré em sua bela canção: “Nos quartéis lhes ensinam antigas lições/ De morrer pela pátria e viver sem razão”. O nacionalismo ainda é uma ideologia poderosa e os jovens americanos também são guiados por ela para lutar e morrer pelo ideal americano de vida ou pela “Grande América”. Quando retornam vivos são reverenciados pela sociedade, quando mortos, restam apenas a dor da perda, uma salva de tiros e uma bandeira dobrada sobre o esquife.

Os homens-bombas são levados a estes atos insanos sob a promessa de que no céu terão uma vida plena de prazeres, com muitas virgens a disposição. Nunca lhes perguntaram onde estaria este céu. Em outra galáxia ou em algum dos planetas do sistema solar? O céu é uma construção mitológica dos antigos que imaginavam que os deuses estariam lá controlando a vida na terra. Depois das viagens espaciais, fica difícil acreditar que exista um céu, mas esse racionalismo não cabe nas mentes fanáticas e cegas por seitas religiosas. Enfim morre-se também por Deuses, pela salvação da alma e também por virgens e potes de mel

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