OS VELHOS TEMPOS DA JOVEM GUARDA
Anos sessenta,
quando a Jovem Guarda fervilhava na televisão, no rádio, nos cabelos quase compridos
da garotada, nas botinhas com salto carrapeta, nas calças rancheiras justas de
brim bege (pois o índigo blues só para quem tinha dinheiro para comprar nas
lojas de contrabando ou viajava para o exterior), as camisas coloridas,
pulseiras etc. O rock and roll estava no ar. Como os Beatles eram inacessíveis
o jeito foi criar uma opção cabocla e o Roberto Carlos e sua turma ocuparam
esse espaço entre os adolescentes.
Quase todo adolescente chegou a sonhar em ser um ídolo da
jovem guarda, cantar nos programas de televisão, gravar um disco e fazer sucesso com as meninas. Alguns tinham até talento e mandavam bem, cantando nas rodinhas ou em festas dos
colégios. Juca, ou Antonio Carlos Junquetti era um desses garotões extrovertidos com cabelo na testa que fazia sucesso com as garotas imitando o Jerry Adriani. Mas havia um cantor de verdade no colégio, o
Dorival Marcos (nem sei se era o seu nome verdadeiro ou se já era o artístico),
que tinha um vozeirão. Mesmo cantando a capela, conseguia encher o pátio, fazendo
calar a plateia de estudantes. Ele
cantava as versões do francês Charles Azsnavour que eram gravadas pelo Agnaldo
Rayol. O menino era um sucesso para nós e todos acreditavam que ele iria
acontecer.
Mas o tempo passou e já se foram
mais de quarenta anos e nunca vi o Dorival em nenhum canal de televisão, jornal
ou revista especializada. Por outro lado eu também me desliguei bem cedo da
juventude alienada e roqueira. Meus
interesses mudaram, passei a curtir a MPB e seus artistas engajados ou
conscientes politicamente, como Chico Buarque, Geraldo Vandré, Gilberto Gil,
Caetano entre outros.
Mas um dia desses rodando por São
Caetano, passei em frente a casa onde a namorada do Dorival morava naqueles
antigos e saudosos anos sessenta. E foi aí que bateu certa nostalgia daquela
época e resolvi tentar localizá-lo pela Internet. A única pista que encontrei
foi uma foto de um disco compacto simples (uma música de cada lado) e o Dorival
na capa apresentado como relíquia de um sebo de discos.
Lembrei-me de um sábado chuvoso
em que nos encontramos no colégio e no caminho de volta ele comentou que
precisava ir cantar num concurso na TV Gazeta e não tinha grana nem para a
passagem de ônibus. Foi aí que eu me ofereci para patrocinar a empreitada. Fomos
até minha casa e consegui uns trocados com minha mãe e chegamos até a TV
Gazeta, na Avenida Paulista, um pouco antes do início do concurso, depois de
tomarmos pelo menos três coletivos. Fiquei
na platéia e assisti vários calouros interpretando alguns clássicos da Bossa
Nova, acompanhados por um trio com piano, baixo acústico e bateria como o velho
Zimbo Trio. Chegou a vez do Dorival, que cantou uma canção cheia de acordes
dissonantes. Fiquei na torcida para que ele se classificasse e até que ele se
saiu bem, mas habituado as baladas, rock ou canções francesas e italianas parece-me
que deu umas pequenas atravessadas e não obteve a classificação para continuar
no concurso.
Voltamos desanimados, ele
evidentemente muito mais do que eu, pois foi uma oportunidade perdida de
conseguir alguma visibilidade, mesmo que não fosse através da jovem guarda, que parecia ser o seu objetivo. No caminho comentou que talvez fosse desistir do colégio,
pois não tinha tempo nem cabeça para estudar. Ou a minha memória apagou ou
nunca mais vi o Dorival Marcos depois daquele dia. Como também mudei de rumo e de colégio, ficou
apenas uma remota lembrança de seu vozeirão cantando “Ma vie” no pátio do
colégio.
Se o velho Dorival ainda estiver
vivo, é provável que nem se lembre mais desse episódio, remoto em nossas
lembranças. É possível também que não seja agradável recordar das dificuldades da
vida passada.
O Juca, o outro garoto Jovem
Guarda, encontrei depois de algum tempo que sai do colégio e quando eu já estava na
faculdade. Ele ainda prometendo acontecer, mas não mais na música. Não sei conseguiu se formar, mas dinheiro
soube que ganhou, pelo menos foi a notícia que deu-me um conhecido comum de que
ele havia se tornado um bem sucedido negociante de automóveis, sua antiga
paixão, e estava se dando muito bem.
Enfim, o que eu queria mesmo era
contar a história de um cantor, como muitos que sonharam e ainda sonham com a
vida artística. Dorival pelo menos deixou registrada a sua marca, gravando duas
canções que não ainda não tive oportunidade de ouvir “Menina dos olhos grandes”
e “Todo meu amor”. Quem sabe um dia passe pelo sebo e resgate um pedaço
daqueles bons tempos ou como diz a canção do Roberto “Daquelas velhas tardes de
domingo”.
Renato Ladeia
Renato Ladeia
Olá Déla Déia!
ResponderExcluirMuito boa essa reportagem sobre o desconhecido cantor Dorival Marcos. É uma pena mesmo que talentos como ele não tenham acontecido e estourado nas paradas de sucesso daquela época. Tomara que algum dia alguém consiga encontrar o cantor e fazer uma entrevista com ele para ser publicada no blog. Quanto a ouvir as canções deste compacto, isso já não precisa ser apenas um sonho seu de uma jovem tarde de domingo. Meu amigo Chico, tem um excelente blog, chamado Sintonia Musikal, onde ele postou há poucos dias esse compacto. Dá uma checada lá e faça o download desse compacto. Deixo aqui o link:
http://sintoniamusikal.blogspot.com.br/2012/06/dorival-marcos-menina-dos-olhos-grandes.html
Um abraço,
Rafael M.
Olá Rafael!
ExcluirA namorada do Dorival não mora mais naquele local. Era em cima do bar do pai dela e depois de quase cinquenta anos...
Foi uma boa sugestão o blog do seu amigo e vou acessá-lo.
Obrigado.
Outra coisa: por quê você não bateu na porta da casa da namorada do Dorival quando passou por São Caetano? Eu bateria. Assim talvez você pudesse conseguir mais informações atuais sobre o cantor e por onde ele anda e o que anda fazendo da vida.
ResponderExcluirAbraço,
Rafael M.
Pensei que o dono deste blog se tratava ser uma mulher, porém somente agora percebi que o dono é um homem. Me desculpe Renato. Abraço.
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