“Quem for a Ilha do Cardoso, paraíso ecológico do litoral sul de São Paulo e não saborear o parati frito da bodega do seu Malaquias, na enseada da Baleia, podes crer, não conheceu a ilha. O sabor do peixe é inconfundível e o jeitinho do proprietário em prepará-lo o torna uma das melhores iguarias da culinária caiçara”. Meu amigo Dedo, antigo freqüentador da ilha sempre cantou em prosa e verso as virtudes do parati frito do seu Malaca e na última vez que fui para lá resolvi tirar a prova. Só que é longe, muito longe de onde estávamos hospedados, se é que se pode dizer hospedados na ilha. Na Ilha do Cardoso a gente não se hospeda, a gente se ajeita num canto, se acomoda. Para ficar na ilha a pessoa não pode ser luxenta, enjoada, fresca... Tem estar pronto para o que der e vier.
Como já disse a bodega do seu Malaquias fica longe e bota longe nisso. São quase doze quilômetros caminhando pelas praias. Assim foram três horas de andanças, contemplando o mar, a natureza quase virgem, mas chegamos à Enseada da Baleia com a fome e a sede de anteontem. Eu já estava ouvindo o barulhinho da fervura do azeite fritando e a minha imaginação começou a colocar até o cheiro de peixe frito no ar. Era um cheiro bom, gostoso, caseiro. Foi o que aconteceu comigo na chegada à Enseada da Baleia.
Mas lá tivemos uma triste surpresa. O velho Malaquias havia falecido e o seu neto estava tocando o negócio. O meu velho companheiro sentiu que a bodega não era a mesma sem a maestria e a presença do seu Malaquias. Lá se comia e se bebia fiado com base na amizade e confiança. Ele gostava de ver a freguesia alegre e festejando. Nada de cara feia. O bar era muito simples, mas gostoso. O destaque da bodega é uma foto dele com o Lula durante a campanha eleitoral de 2002, tomando uma caninha no balcão. “Quero ver o que este comunista vai aprontar lá em Brasília”, disparou o Malaca depois que soube da vitória do Lula nas urnas.
Fomos chegando e perguntando se tinha alguma coisa para comer. Peixe fresco? Não. Camarão? Qual o quê. O moço estava mais preocupado em fazer chamego para a namorada do que em atender a freguesia. Só tinha mesmo as geladinhas de sempre.
A minha fome era tanta que sentia um vazio maior do que o corpo. Como não tenho gordura de reserva, comecei até sentir um mal estar. Foi então que uma moça de Sorocaba que acompanhava a gente se ofereceu para buscar alguma coisa, quem sabe parati frito numa casa vizinha. Foi num pé e voltou em outro com uma travessa fumegante e cheirosa. Não tive dúvidas. Ataquei o parati frito. Era um sabor delicioso, soberbo, senti o tempero inebriando a alma. Não tinha chef francês que faria coisa melhor. Era uma iguaria para ser servida em jantar de posse de presidente. Meu amigo já ia abrindo a latinha de uma “loura” geladinha quando alertei:
- Parceiro, experimente esse parati frito antes de abrir a geladinha. Você vai sentir o sabor da ceia dos deuses.
Foi aí que a moça que foi buscar a comida, avisou: “Pera aí Zeca, não é parati frito não, é frango mesmo”. Aquilo doeu fundo. Eu que sempre abominei carne de frango ou de qualquer outro bicho que voa. Como é que não percebi o gosto. Como é que vai ficar minha reputação de inimigo das penosas diante dos amigos que precisam mudar o cardápio na última hora quando apareço para fazer uma boquinha? Uma velha amiga chegou a fazer uma tremenda encrenca numa festa porque resolveu mudar o cardápio na última hora porque tinha frango. Como é que eu vou ficar diante dos amigos? Vou pagar o maior mico da minha vida.
Mas o meu companheiro de viagem, sacando a minha profunda decepção e desconforto, saiu em meu socorro:
- Olha Zeca, pode não ser parati, mas que eu vi uns franguinhos diferentes no quintal eu vi. Deve ser um clone de peixe com frango, pois os bichinhos não tinham penas, mas escamas. Acho que deve ser um tal de frango-parati que anda na boca do povo pela ilha.
Não levei muito a sério a explicação do meu amigo porque ele já tinha devorado umas cinco latinhas e de estômago vazio, mas talvez possa mesmo salvar a minha pele. De qualquer forma para quem quiser me convidar para um rega bofe, vou adiantando: frango eu até como, mas só se for frango-parati, que só tem na Ilha do Cardoso.
Renato Ladeia
Renato Ladeia
Eh eh eh! Essa vai ficar na história! Parabéns!
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