Pular para o conteúdo principal

DO PRIVATIVO ÀS PRIVADAS

">Antigamente não havia privadas dentro das casas, pois seria considerado anti-higiênico. Mesmo nas residências dos mais abastados, as pessoas iam para o pequeno compartimento no quintal. Se chovia ou era noite, os velhos penicos eram a solução. De louça entre os ricos, de lata para os mais pobres.

Já no final do século XIX, algumas mansões já dispunham de um sistema mais prático. Era um tipo de baú aos pés da cama. Levantando a tampa, tinha-se um vaso sanitário. Os dejetos caiam diretamente no subsolo.

Numa passagem por Taubaté com destino a Monte Verde, visitamos a antiga casa do avô do escritor Monteiro Lobato, um rico barão do café. Em sua grande casa havia um cômodo usado como banheiro, mas só para banhos, literalmente.  As outras necessidades eram na casinha com boa distância da mansarda.

Quem conhece Ouro Preto, em Minas Gerais, deve ter visitado a Casa dos Contos, onde eram cunhadas as moedas de ouro e prata. Em frente às bocas do fogão a lenha, há uns três metros de distância, vi vários buracos em uma mureta. Curioso, perguntei a um guia turístico para que serviam. Ele explicou que eram usados para as necessidades das pessoas que lá trabalhavam ou visitavam. Os hábitos de higiene eram realmente bastante precários naqueles tempos.

Gilberto Freyre em seu clássico Casa Grande e Senzala, narra que os grandes fazendeiros no Nordeste passaram a construir belas casas nas cidades para passarem temporadas com as famílias. As casas, projetadas por engenheiros e arquitetos, já dispunham de sanitários no seu interior, mas os velhos hábitos dos penicos eram mantidos para o desgosto das empregadas domésticas.

Poucos sabem, mas foi o médico sanitarista Noel Nutels, brasileiro por adoção,  quem desenvolveu o moderno vaso sanitário em que a água limpa fica na superfície evitando os gases que exalam dos encanamentos. A invenção revolucionou os hábitos de higiene nas habitações.

Outra inovação que apareceu entre nós no século XX, foi o bidê, um lavatório para a higiene íntima das mulheres muito popular na França. Esse equipamento chegou a ser proibido nos EUA por ser considerado imoral. Por aqui virou moda na segunda metade do século passado, mas com a praticidade das duchas de água quente, tornaram-se obsoletos.

Aliás, sobre o bidê tenho uma bizarra história que aconteceu na casa de campo bem equipada de um velho amigo. A convite, apareceu em sua casa de campo, um amigo comum, que levou a tiracolo um capiau que se convidou para o passeio. Foi com grande surpresa que a dona da casa, uma senhora de fino trato viu no sanitário um grande “número dois” exatamente no bidê. Foi um escândalo, obrigando o amigo que levou o visitante penetra a providenciar a retirada da obra depositada indevidamente. A história vazou e na pequena Piedade foi narrada até em sala de aula, tornando-se o rapaz alvo de chacota por onde passava. A dona da casa, inconformada com a falta de civilidade do visitante, ordenou que o bidê fosse arrancado do banheiro.

Quando jovem, trabalhei por uns tempos na Rhodia, empresa têxtil francesa. Ao ir ao sanitário pela primeira vez, descobri que não havia vasos, mas um buraco com dois lugares para apoiar os pés. Diziam que os franceses adotaram a chamada privada turca para evitar que os brasileiros fizessem hora sentados no trono lendo jornal ou dormindo. Na época um amigo que até hoje goza de minha consideração, era chegado à boemia e muitas vezes vinha direto da gandaia para o trabalho. Numa dessas vezes, ouvi um barulho dentro de um dos sanitários, como se algo tivesse caído sobre a porta. Era o meu jovem amigo que dormiu e acabou caindo batendo a cabeça na porta, saindo de lá com um bom galo na testa.

Enfim, para quem estava achando que não tinha um bom assunto para uma crônica, agradeço a amiga Marisa Déa pela contribuição.

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

JOSÉ DE ARRUDA PENTEADO, UM EDUCADOR

Num dia desses  visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...

A ROCA DE FIAR

Sempre que visitava antiquários, gostava de ficar observando as antigas rocas de fiar e imaginando que uma delas poderia ter sido de uma das minhas bisavós e até fiquei tentado a comprar uma para deixá-la como relíquia lá em casa. Por sorte, uma amiga de longa data, a Luci, ligou um dia desses avisando que tinha um presente para nós, que ficaria muito bem em nossa casa. Para minha surpresa, era uma roca de fiar, muito antiga, que ela ganhou de presente. Seu patrão se desfez de uma fazenda e ofereceu a ela, entre outros objetos, uma roca, que ela gentilmente nos presenteou. Hoje uma centenária roca de fiar está presente em nossa casa e, além de servir como objeto de decoração, é a alegria do Tom, meu neto, que fica encantado ao girar a roda da roca. Para ele é um divertimento quando vem nos visitar e passa algumas horas em nossa companhia. Ele grita e ri de modo a ouvir-se de longe, como se a roca fosse a máquina do mundo. Recordo-me, quando criança, que minha mãe contava história...

BARRA DE SÃO JOÃO

Casa  onde Pancetti morou Em Barra de São João acontece de tudo e não acontece nada. As praias são de tombo e as ondas quebram violentamente na praia. Quase ninguém as freqüenta a não ser algum turista desavisado, preferencialmente os paulistas. Mas o lugarejo é tranqüilo, com ruazinhas arborizadas com velhas jaqueiras e com muitas primaveras nos jardins, dando uma sensação gostosa de paz e tranqüilidade há muito perdidas nas grandes metrópoles. Foi lá que nasceu o poeta Casimiro de Abreu e onde foi sepultado conforme seu último desejo. O seu túmulo está no cemitério da igreja, mas dizem que o corpo não está lá e que foi “roubado” na calada de uma das antigas noites do século dezenove. A casa do poeta, restaurada, fica às margens do Rio São João é hoje um museu onde um crânio humano está exposto e alguns afirmam que é do poeta dos “Meus Oito Anos”. Olhei severamente para o crânio e questionei como Shakespeare em Hamlet: “To be or not to be”, mas fiquei sem resposta. O cas...