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Mostrando postagens de 2013
BEATRIZ Ela era uma atriz e bailarina e dançava nos sonhos do jovem rapaz. Ele dormia e acordava pensando nela, imaginando onde ela estaria. Em que palco dançava e representava para as multidões que a aplaudiam. Em seus devaneios ele via a atriz dançando só para ele, movimentando seu corpo como um pássaro no ar. As asas que ela não tinha, flutuavam como leves plumas ao sabor do vento. Não sabia onde ela morava, mas imaginava que fosse num enorme arranha céu e de lá descia todas as manhãs como um pássaro e pousava na calçada com a ponta dos pés. E todas os passantes abriam caminho para que ela seguisse voando em direção ao palco. Mas a vida da atriz e bailarina Beatriz era diferente dos sonhos do jovem apaixonado. Ela morava sozinha num quarto de pensão e às vezes nem tinha o que comer, pois seu pagamento atrasava por semanas. Chegava exausta, tarde da noite e deitava-se faminta numa cama imunda e fria. Encolhia-se como feto no útero para suportar o frio da madrugada paulista.
O CHAMADO DE ABRAÃO Abrão era jornalista e por muitos e muitos anos trabalhou na grande imprensa fazendo reportagens nas mais diversas áreas. Era até bem sucedido na sua profissão, mas não havia atingido o auge da carreira para alguém com mais de quarenta anos. Prevendo dias piores, fez um curso de pós-graduação em gestão para eventualmente ter o seu próprio negócio caso perdesse o emprego. A família de  Abrão era tradicional e pertencia a antigos troncos paulistas, cujas origens remontavam os primeiros tempos coloniais.             Sua vida amorosa estava caminhando, pois tinha um velho relacionamento com uma professora que já se estendia por mais de dez anos. Em verdade parecia mais uma relação de amizade do que um caso amoroso, mas convenhamos que o nosso personagem não estava muito apaixonado e queria mesmo era uma companheira inteligente para passar o resto dos seus dias. Sarah era professora, uma pessoa independente e culta que gostava de caminhar com suas próprias pern
O CASAMENTO A família de Maria, apelidada por Mariquinha desde criança, mudou de cidade por causa da transferência do pai, que era professor primário. A vida era bastante difícil para uma família grande e a mãe contribuía para o orçamento doméstico dedicando-se à costura. Mariquinha, então com dezesseis anos, já ajudava a mãe nas costuras e também fazia as entregas de encomendas. Numa dessas entregas conheceu Epaminondas, filho de uma antiga família local, que outrora esteve muito bem financeiramente, mas vivia das glórias do passado. O moço não gostava de trabalho e os vários empregos que o pai lhe arranjara, acabava abandonando-os alegando, ora que o salário era pouco, ora que o serviço era por demais pesado. Trabalho com hora para chegar e para sair não fazia parte da vocação deste bom vivant. Mas ao conhecer Mariquinha começou a pensar em constituir uma família, pois já estava passando da idade. Assim insistiu com o pai que pedisse aos pais de Mariquinha a sua mão em casame
O ALPINISTA SOCIAL Marco, decididamente, era um alpinista social, mesmo sem saber o que significava isso.  De família muito humilde decidiu que precisava fazer qualquer coisa para melhorar de vida. Rapaz bonitão, loiro de olhos azuis, fazia sucesso com as mulheres, mas estava mesmo interessado em dar o famoso golpe do baú. Não é que a oportunidade surgiu quando descobriu que uma família freqüentadora da igreja era muito abastada. O velho Aristóteles tinha lojas e uma construtora em ascensão, além de vários imóveis espalhados pela cidade. A moça era feia, desajeitada e, além de tudo, não era muito equilibrada. Para Marco não havia problema algum em desposar a moça, um pouco mais velha do que ele e com todos os predicados mencionados. O que interessava mesmo era o patrimônio do sogro que tinha dinheiro escapando pelo ladrão, conforme se comentava pelo bairro. Tudo indica, meus caros leitores, que a família estava com muita pressa em selar o compromisso da Cremilda com o moçoilo p
O LUTO DE ESTEFÂNIA Pobre da dona Estefânia, perdeu um filho com apenas dezoito anos num trágico acidente. Ele foi junto com alguns amigos nadar numa represa em São Bernardo e acabou se afogando. Conhecia o Paulinho apenas de vista, pois eu era ainda um frangote na época.  Foi muito triste, pois era apenas um garoto com muitos sonhos pela frente.  Ele saiu com uma turma para nadar e aconteceu o inesperado.  Disseram que ele mergulhou fundo e se enroscou em um galho de árvore.              Logo depois o seu marido, um velho advogado de porta de cadeia, morreu com câncer, que em casa se chamava doença ruim, ou aquela doença que ninguém gostava de falar o nome. Fui com meu pai visitá-lo uma vez. Era um homem alegre e simpático que mesmo acamado sem poder andar, ainda fumava e dizia besteiras na frente de um menino. Meu pai ficava desconfortável e tentava a todo custo mudar de assunto, mas vira e mexe ele soltava um palavrão sonoro. Dona Estefânia, sua mulher chorou muito no velóri
A INSACIÁVEL Aninha, filha de um casal de portugueses morava numa casa de esquina, onde repousavam frondosas árvores, junto com os pais depois de um casamento que durou pouco e teve um final escandaloso. O marido, desconfiado da traição da mulher, colocou um gravador no quarto logo que saiu para o trabalho. A armadilha funcionou e de posse da gravação, desmascarou a mulher que o traia com um dos seus empregados, deixando-a sem eira nem beira.                Com o fim do casamento, Ana continuou tendo seus casos, que sempre terminavam de forma pouco civilizada, pois não aceitava as separações de forma pacífica. Quando o amante era casado, ela não deixava por menos e ia na porta da casa do ex para dizer todas as coisas que ficaram entaladas em sua garganta. Era uma mulher temível. Tanto pela sua fúria sexual, como pelas conseqüências resultantes da separação. Como era extremamente possessiva era inevitável que as relações não tivessem longa duração. Em pouco tempo os amantes pr
NADA É PARA SEMPRE Conheci Ernesto quando estudantes no antigo ginásio. Ele vinha transferido de um seminário católico, pois havia desistido da carreira eclesiástica e se matriculou no colégio estadual.  Ser padre não era mesmo sua vocação e jogou a toalha bem antes de se criar muita expectativa na família, profundamente católica. Fez como Bentinho, o casmurro personagem de Machado de Assis, que desistiu da igreja pela paixão por Capitu, a moça dos olhos de ressaca.                Mas não havia uma Capitu na vida de Ernesto, pelo menos enquanto fazia o ginásio. Mas no final do colégio a sua Capitu, aliás, a Madalena, apareceu em sua vida. Era uma moça um pouco mais velha que ele. Não era nenhuma beldade e também não tinha o olhar enigmático da personagem do romance Dom Casmurro. Usava longos cabelos, que quase cobriram seu rosto fino e comprido. Tinha um sorriso bonito e simpático, sugerindo ser uma pessoa amável e generosa. Inteligente e dedicada, logo se formou na escola no
OS DEVANEIOS  DE JACOB Jacob tinha pouco mais de um metro e meio. Teve paralisia infantil e ficou com uma perna mais curta do que a outra. Andava com dificuldade, mancando. O corpo adaptou-se ao defeito na perna e ele ficou com uma das nádegas mais alta do que a outra.  Ele andava com o pé esticado, quase na ponta, para compensar a diferença de tamanho entre as pernas. A natureza não lhe foi generosa. Tinha um nariz enorme e ainda usava dentadura com pouco mais de trinta anos.  Teve até um proposta de casamento, mas a moça era muito velha, segundo ele que preferia uma mais novinha. Ainda por cima era o moço exigente. Mas ele era uma pessoa boa e honesta e não se importava quando caçoavam dele. Sabia-se feio e era conformado com a vida. Morava com a mãe e uma irmã numa casa que comprara com o fruto de um bilhete premiado. Contava que foi uma grande alegria em sua vida. Além de comprar a casa, conseguiu ajudar as suas irmãs.            Gostava de freqüentar prostíbulos e contava-
UM BANQUINHO E UM VIOLÃO Não há quem não conheceu o Zelão por estas plagas. Tocava violão divinamente e sua voz então era encantadora. Ele colocava sua alma nas canções. Quando tomava o instrumento, o silêncio vinha como a chamado para que todo o espaço fosse ocupado pela sua voz suave e afinada. As mulheres se derretiam diante de suas cantorias e ficavam prontas para qualquer aventura com o bardo para a uma pontinha de  inveja dos demais rapazes, que também o admiravam.                Contava-se que outrora o Zelão teve uma grande decepção amorosa. Sua musa, motivada por razões de dinheiro, o abandonou para se casar com um comerciante endinheirado. A moça, após as núpcias que parecem tê-la decepcionado,  deu para telefonar e escrever ao Zelão e fazer-lhe longas e tenebrosas juras de amor. Ela havia abandonado o namorado para se casar com outro, mas não queria deixá-lo ao sabor de hienas ávidas por tão precioso despojo. Mesmo na segurança do seu lar ela mantinha o Zelão sob c
LÚCIA JORGE ABDALLA E difícil falar de uma pessoa com a qual não tivemos muita intimidade, apesar de tê-la conhecido bem e ter algumas dívidas de gratidão para com ela. Quem era Lúcia Jorge Abdalla, ou ainda é, se por acaso ainda estiver viva, coisa que não posso saber, pois há muito, muito tempo não tenho notícias dela.  Lúcia era uma mulher morena, bonita, elegante, charmosa, culta e conversa interessante.                Conheci esta mulher com todos os predicados acima como aluno em um colégio de São Caetano do Sul. Havia uma demanda muito grande por vagas e o Estado improvisou um colégio noturno em uma escola de primeiro grau sob o comando dela. Não havia nada. As instalações eram precárias. A secretaria funcionava no corredor de um banheiro, mas a Lúcia, uma batalhadora, não se abateu diante da falta de recurso e dava tudo de si para que a escola funcionasse da melhor forma possível. Selecionou os melhores professores que encontrava e não ficava satisfeita com pouco. Pes
Diálogo da profissão Este antigo diálogo em versos de uma criança ao ser inquerida sobre a profissão que gostaria de seguir, era contado por minha mãe quando éramos crianças. Não conheço a origem dos versos, mas já li partes em um outro blog. Como coletei o que presumo ser completo, resolvi publicar para preservar a memória da nossa cultura popular. Venha cá marotinho Diga o que queres ser Um valente soldadinho Para a pátria defender? Não titia não! Soldado morre na guerra a lutar. Então queres ser médico Para a vida salvar? Meu Deus que horror! Febre amarela, bexiga Tenho a vida muito amor Então queres ser um palhaço Que só faz saltar e rir? Palhaço quebra o espinhaço Para o circo não quero ir Então queres ser um bandido paspalhão? Andarás pelo mundo Sem ter uma profissão? Não titia, isso não Já sei o que quero ser Dono de confeitaria Quantos doces hei de comer! Coletado por Itanina Ladeia Lobo (1926-2012), possivel
RELÍQUIAS DA CASA VELHA Uma casa tem muita vez as suas relíquias, lembranças de um dia ou de outro, da tristeza que passou, da felicidade que se perdeu. (Machado de Assis, em Relíquias da Casa Velha). Machado de Assis deu o nome de Relíquias da Casa Velha a um livro de contos, mas bom seria que tivesse escrito um belo conto com esse nome, pois as casas velhas guardam lembranças, segredos, tristezas, alegrias e às vezes tragédias.  De minha parte não tenho a pretensão de escrever um conto, ainda mais com esse título, mas vai aqui uma modesta crônica me apropriando do nome do livro do nosso maior escritor. A casa velha a que me refiro é onde passei minha infância e juventude num bairro de São Caetano do Sul. O inquilino saiu e foi preciso fazer a vistoria  do imóvel. A casa estava até bem cuidada  depois de alguns anos alugada. Alguns tacos soltos, um arranhão na pintura, mas nada muito grave que demandasse despesas para reparação.                 É difícil deixar de s
ANDRADINA Andradina parece um nome de mulher, mas é apenas uma cidade com nome feminino. A origem  vem de Andrade, um rico fazendeiro que se apossou daquelas terras para criar gado.  Como quase toda a região Noroeste Paulista, as cidades são planas, quase sem elevações. É um horizonte sem fim e o sol nem tem como se esconder no final das longas tardes de verão. Andradina, nome que eu ouvia desde menino quando as pessoas da família que moravam em Lavínia a ela se referiam. Uma grande cidade, a morada do rei do gado, um mitológico boiadeiro que virou uma canção da dupla Tonico e Tinoco que meu pai gostava de ouvir pelo rádio no final do dia. “Quem quiser saber meu nome/ que não se faça de arrogado/é só chegar lá em Andradina/ e perguntar pelo rei do gado”. Imaginava que para entrar em Andradina era preciso pedir licença para o rei que ficava sentado em um trono com chapéu, bombacha e botas gauchas, como se vestia meu tio José que também foi boiadeiro. Andradina era também a terr
'OS INTALIANOS" É assim até em nossos dias que os caboclos chamam os italianos no interior paulista. As modas caipiras de antanho grafam exatamente assim: “Os intalianos”, fazendo referências a um povo trabalhador, valente e defensor de suas famílias e propriedades. As belas italianas, como também as não tão belas, não tinham colher de chá e iam para a roça trabalhar na enxada de sol a sol. Com roupas longas e chapéus tipo sombreiro, era difícil ver as faces coradas quase sempre cobertas de poeira. Relatam sociólogos e historiadores, que em São Paulo foram incontáveis as moças italianas que fugiram de casa com homens negros, que ao contrário dos italianos, não permitiam que as suas mulheres fossem enfrentar os cabos de enxada.  As más línguas dizem que o motivo principal foi outro, mas são apenas suposições, pois nunca perguntaram para aquelas moças os motivos pelos quais fugiram de casa. Eu mesmo conheci uma senhora italiana casada com um senhor negro, que morava
QUAL É A MÚSICA DO CHICO QUE VOCÊ MAIS GOSTA? Um velho amigo fã incondicional do Chico Buarque fez uma enquete com várias pessoas do seu relacionamento para saber qual era a música preferida composta pelo grande compositor.   Parecia fácil, mas qual o quê; todos vacilaram na escolha, pois seria mais simples escolher algumas das melhores. Não podia. Tinha que ser apenas uma, era um tiro só e não podia errar nem se arrepender. Diante da pergunta fiz um retrospecto geral na obra do compositor e optei por uma bela canção que ele fez com o Edu Lobo, Beatriz. Por que escolhi a Beatriz, uma das muitas canções que o Chico dedicou a um nome de mulher?  Depois de Carolina, Januária, Cristina, Joana Francesa e por aí vai, Beatriz, composta para o espetáculo Circo Místico, para mim foi a mais bela letra ou um dos mais belos poemas da música popular brasileira. Há quem diga que ele escreveu para a sua ex, a Marieta Severo. Bom seria se não fosse, para tão grande amor, tão curta a vida. E
CARLINHOS KALUNGA, UM MÚSICO "TUDO DE BOM" Kalunga é a designação dada aos descendentes de escravos que se refugiaram em quilombolas nos grotões do Estado de Goiás. Lá eles formaram comunidades autossuficientes, isoladas da civilização, se é que podemos chamar as cidades brasileiras de lugares civilizados. É também importante lembrar que Kalunga, em bom dialeto banto, significa “Tudo de bom”.  É aí que se encaixa o querido Carlinhos Kalunga, violonista, arranjador, produtor musical e compositor. Quem lhe deu o apelido não se sabe. Falei com seus amigos de juventude e ninguém tinha   informação   sobre a origem. Mas de qualquer forma o sentido banto lhe cai bem, pois o Carlinhos Kalunga é aquele sujeito sempre sorridente, de uma simpatia acolhedora. Carlinhos, músico de profissão e de paixão, começou cedo a lidar com o pinho, pois o pai, seu João Gonçalves, tinha muita afinidade com o velho violão que tinha em casa, num bairro da periferia de Santo André, no AB