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Mostrando postagens de 2009

BELO HORIZONTE

Hoje me dei conta de que a minha primeira e única visita a Belo Horizonte ainda permanece em minhas retinas fatigadas. Apenas um fim de semana, mas ainda fica a impressão de que durou uma eternidade. A viagem de ônibus foi à noite e fez um frio de doer os ossos. Não consegui pregar os olhos, tal o desconforto. Mas o dia amanheceu bonito, ensolarado e pude conhecer a primeira cidade totalmente planejada do Brasil. Naquele momento me veio à mente a voz da minha professora primária, Da. Teresa Rami, nas aulas de geografia, explicando as características das capitais brasileiras. Mas eu tinha outro motivo, mais relevante para a minha fugaz estadia em BH. Era conhecer a igreja de Pampulha, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e com pinturas do grande mestre Candido Portinari. A viagem foi a convite de um amigo da época, Marcos Padovani, a quem não vejo há séculos. Sua irmã, Cecília, estava num convento em Pampulha e ele precisava fazer-lhe uma visita, levar-lhe notícias, enfim, coisas

LAVINIA REVISITADA

Modéstia a parte nasci em Cachoeiro do Itapemerim, dizia o Ruben Braga. Como dizer modéstia a parte por ter nascido em Lavínia, uma minúscula cidade incrustada no oeste paulista? Tem apenas uma avenida principal, a Perobal que atravessa o povoado de ponta a ponta. O nome perobal está ligado às extensas florestas repletas de peroba que existiam por lá em idos tempos. Até recentemente a avenida ainda era de terra, uma terra vermelha, arenosa, que tinge as casas, os carros, a pele e até as minhas lembranças. O casario baixo, janelas que observam atentamente o movimento das ruas. Um cavaleiro que chega a galope, uma carroça, uma charrete, um jipe empoeirado. Tudo é novidade na cidadezinha qualquer na qual eu nasci. Não me lembro de fotografias da cidade, mas uma delas está comigo e povoou o meu imaginário quando criança. Meu tio José tinha uma comitiva que trazia boiadas do Mato Grosso e Goiás. Nesta foto, no centro da cidade, ele estava todo garboso em sua vestimenta gaucha, como era mod

NAQUELA MESA ESTÁ FALTANDO ELE...

Joanin Moscardi, quem sabe, poderia ter sido um dos maiores pontas da história do verdão do Parque Antarctica, coberto de glórias, endeusado pelos torcedores; mas a vida para um jogador de futebol até os anos cinquenta não era fácil. Não existiam os milhões que os bons e mesmo medíocres jogadores ganham hoje. Praticava-se o esporte por prazer, por amor à camisa, conforme contam os nossos velhos. E foi por isso que o Joanin com profunda tristeza abandonou uma carreira de glórias para se dedicar à família como operário numa indústria. Não que a vida tenha sido mais fácil, mas o salário era certo todo final de mês. Ao ver os dois filhos, Magali e Jorge crescerem saudáveis, bonitos, inteligentes e bem formados, esquecia o antigo sonho. Afinal, cumprira a sua missão ao lado da sua querida companheira Noêmia, que também já partiu. Conta seu filho que chegou a ver lágrimas correrem pelos olhos do Joanin quando ele olhava velhos retratos de jogadores que ocuparam a posição que poderia ter sid

SUPLICY, A VESTAL DO SENADO

Sempre votei no Eduardo Matarazzo Suplicy desde o início de sua vida política, quando participou do MDB autêntico, juntamente com Mario Covas, Fernando Moraes, Fernando Henrique, Audálio Dantas entre outros, mas confesso que sempre o achei enrolado demais para ser político. Nesta época era quase gago, tinha muita dificuldade para articular uma frase, o que dirá um discurso. Mas sempre o considerei um sujeito honesto, bem intencionado, apesar de muito ingênuo, ingênuo demais para a profissão. O Suplicy melhorou muito, muito mesmo com o tratamento de uma fonoaudióloga paulista que é reputada como uma “fera”, segundo informações de um amigo. Hoje ele até fala com certa articulação. Lembro-me de uma palestra que ele fez nos tempos de faculdade nos anos 1970. Foi um desastre. Depois de uns vinte minutos, a metade da platéia foi embora e o restante dormiu. Quer dizer: quase, pois continuei até o final com mais alguns abnegados. Confesso que esperava que ele fosse se desligar do PT no epis

FESTAS JUNINAS

Para os paulistas, as festas juninas são festas de caipiras, capiaus, matutos. Nestas festas os homens das cidades se vestem com calças remendadas nos joelhos e as camisas nos cotovelos, botinas e chapéus de palha. As mulheres usam vestidos de chita rendados, tranças e também chapéus de palha. É um velho estereótipo de que o pessoal do interior se veste mal, é acanhado e não trata dos dentes. São as velhas tradições que foram ficando no imaginário popular. Neste tipo de festança não pode faltar a tradicional fogueira que tem sua origem no solstício de verão das populações do norte da Europa, que acendiam o fogo para reverenciar os seus deuses pagãos. E tem também a quadrilha, uma dança de salão, também européia, que foi trazida para os trópicos pelos franceses. Tudo muito bem arranjado, num sincretismo que envolve várias culturas: o caboclo, resultado da miscigenação de portugueses com índios, dança da aristocracia francesa e tradições celtas. No nordeste as festas juninas ganharam out

FLORAS E FLORADAS

Você conhece alguma Flora? Eu conheci uma, mas não tenho boas lembranças. Ela morava no interior de São Paulo, na pequena Lavínia, minha terra natal. Era a costureira da minha prima e madrinha. Eu ainda era muito criança, mas ainda tenho uma visão clara de sua casa isolada, que ficava no final de uma estrada de terra, ao lado de um velho jequitibá. Era uma construção quadrada, pintada de amarelo e com muitas janelas. Pela minha memória, que pode ser falha, não me lembro de flores em seu quintal. Será que a Dona Flora não gostava de flores? Fui algumas vezes lá com a minha prima, para fazer algumas roupas, numa época em que passei alguns meses em sua companhia. Dona Flora era uma mulher madura e muito séria, que me espetava com o alfinete sempre que fazia a prova das roupas que costurava para mim. Foram poucas vezes, mas o suficiente para deixar uma lembrança amarga da costureira e do seu nome. Mas hoje Flora me lembra a primavera que está chegando e esbanjando cores apesar da chuva

ODETE BELLINGHAUSEN, A SENHORA DO PIANO

Aquela senhora tinha um piano, mas para que serve um piano? Diz um poema do Alberto Caieiro, heterônimo de Fernando Pessoa. Para mim que ao passar pela Rua João Pessoa e ouvia em meio ao barulho do trânsito o suave som de um piano, servia e muito para abrandar a aridez da cidade. Quem era a senhora do piano vim sabê-lo algum tempo depois. Era Odete Tavares Bellinghausen, a primeira professora de piano da cidade e em cujas mãos muitas crianças passaram para aprender as primeiras notas musicais. A cidade foi crescendo e a casa dela, que em tempos passados desfrutava um ar ainda bucólico, transformou-se em passagem obrigatória de carros e pedestres. O comércio foi se ampliando e com ele mais movimento. Mas dona Odete, continuou o seu cotidiano entre o grande jardim com seus caramanchões e o piano. Um dia atiraram uma pedra na sua janela, que quebrou a vidraça e caiu bem em cima do piano, um velho alemão de meia cauda. Uma ato de absurda agressão, sinal de tempos difíceis. Aquilo poder

AS FLORES DO IPÊ

Da minha janela avisto em uma rua paralela os seus exuberantes ipês amarelos que impõem um colorido especial para a paisagem do bairro. Lembro-me ainda da professora do primário explicando que as flores são folhas modificadas e o ipê altera todas as suas folhas, transformando-as em um amarelo vivo que chega a arder os olhos de tão intenso. O Ipê amarelo ou Tabebuia chrysotricha, é nativo da Serra do Mar e da Serra da Mantiqueira e é cultivado em todo o país pela sua beleza singular, mesmo que efêmera. Sem dúvida ele é privilegiado pela natureza e se transformou na árvore símbolo do Brasil. Mas é um privilégio que dura pouco tempo e as árvores estarão sem flores e sem folhas até o final do inverno, hibernando como um esqueleto sem vida para de novo desabrochar no verão com a verdura de suas folhas. Há tempos invejo os vizinhos que tem o privilégio de recolher diariamente, durante o inverno, o lençol de flores amarelas que se espalham pela calçada. Para tentar não morrer de inveja,

UM HOMEM IMORTAL

Estava caminhando em um parque quando resolvi fazer uma pausa para descanso e logo em seguida um homem de uns quarenta e poucos anos, pele muito branca e pálida sentou-se ao meu lado. Pareceu-me que queria falar alguma coisa, mas mostrou-se pouco a vontade. Depois de alguns minutos criou coragem e perguntou se eu tinha cigarros. “Não fumo”, respondi prontamente e logo emendei “Não faz bem para a saúde”. Ele sorriu e disse: “Para as pessoas que tem uma vida normal, que nascem e morrem, realmente é preciso cuidar da vida, mas para mim isso não faz muito sentido”. - Como assim? Perguntei curioso com o que o homem dizia. - Eu não sou uma pessoa normal, respondeu. - Como assim? Indaguei surpreso com a resposta. - Pois é, sou um homem imortal, não vou morrer nunca. Tenho mais de duzentos anos nas costas e não sei quantos séculos ainda vou viver. - Mas isso deve ser muito bom, disse fingindo que estava acreditando na história. - Não é nada bom moço. Viver eternamente é um fastio. Não agüento

BEBEDOS E BEBEDEIRAS

Beber, como dizia o grande cronista da noite carioca, Antonio Maria, é sempre um mistério, uma sabedoria, que nos leva aos copos e ao estado de graça. Não faço aqui a apologia da bebida, mas existem momentos em que ela é absolutamente necessária e caso se consiga aprecia-la moderadamente, pode ser um santo remédio para as dores da alma. Algumas bebedeiras são motivos de grandes arrependimentos pelas bobagens que se faz, pelas palavras mal pronunciadas que ofende pessoas, destrói amizades ou grandes amores. Outras são motivos de grandes gargalhadas, mesmo depois de passados muitos anos. Algumas são motivos de orgulho, principalmente pelo bêbedo ter falado, num discurso improvisado, alguma coisa que todos gostariam de dizer, mas sempre faltou a coragem que a bebida, às vezes dá, desde que a mente ainda esteja suficientemente lúcida. Algumas bebedeiras são ontológicas e poderiam ser premiadas pela academia nacional da bebedeira (ANB) pela contribuição sociológica, política, filosófica ou

PARA QUE VERSOS?

Pediram-me versos! Eu me pergunto: Para que versos? Estamos num tempo sem alma Os homens estão sem memória Ninguém mais consegue Ver o deslumbramento De um amanhecer Caminhamos para um tempo Sem sorrisos Sem mãos que afagam Sem vozes que cantam Sem desejos Sem esperanças Para que versos meu Deus! Ele não responde Ninguém responde Grito no escuro Sem ecos Sem vozes A cidade está vazia Mas os passos apressados Continuam sua longa marcha Todos fogem Mas ninguém sabe para onde Haverá amanhã? Um ano que vem? Um futuro? A vida escapa das nossas mãos frágeis Não entendemos nada Não vemos nada Falamos para ninguém Enquanto isso Os pássaros conversam Na linguagem possível.

OS LIVROS

Um velho amigo, dos tempos de faculdade, contou-me desconsolado que vendera seus livros a um sebo por uma merreca. Fiquei espantado com o inusitado do fato e toparia até comprá-los, caso me oferecesse a relíquia. Mas era tarde demais e só me restou, como consolo, ouví-lo contar sobre a triste separação. Depois de contemplar seus livros durante horas, lembrando os bons momentos em que estiveram juntos debatendo idéias, criticando e anotando. Alguns deles até lembrou-se do momento da compra, outros foram apropriados, sorrateiramente, nos tempos de estudante, outros presenteados por amigos e parentes. Tudo parecia distante e frio, pois já não sentia mais aquele amor devotado aos livros que aprendera a cultivar durante longos anos. Quantas vezes perdeu a paciência com pessoas mal educadas que dobravam as páginas dos livros ou rasgavam as páginas ou as capas! Mas já tinha tomado a decisão de vendê-los e ninguém, nada, iria demovê-lo. O primeiro comprador ofereceu um preço apenas razoável, m

NATALINA, UMA DOMÉSTICA DE CULTURA

O pedreiro passou lá em casa e deixou uma pequena obra e muita sujeira. A limpeza seria árdua se não fossem os esforços da Natalina, uma empregada que passou uns tempos lá em casa. Mas no início da faxina minha mulher antecipou que seria muito difícil e eu disse que seria necessário esfregar exaustivamente para conseguir algum resultado. Algum tempo depois ouvi a Natalina dizer: “Já esfreguei exaustivamente e não consegui nenhum resultado”. Primeiramente pensei que ela tivesse gostado da palavra e a havia incorporado ao seu repertório pela sonoridade do vocábulo, mas logo depois percebi que não era bem isso. Tempos depois, sentado no sofá lendo meu jornal num dia de folga, enquanto a Natalina fazia a faxina na estante ouvi a máxima: “As vinhas da Ira é um livro muito interessante. É o livro que mais gosto do Steimbeck”. Olhei para os lados para me certificar de que fora mesmo a Natalina que havia pronunciado aquela frase. E era mesmo. “Você leu todo o Steimbeck?” Perguntei surpre

UM COMUNISTA

Lembro-me quando meu pai contou a um primo mais velho que estava preocupado com a possibilidade de eu ter me tornado um comunista. Não que ele soubesse exatamente o seria um comunista ou comunismo. Ele tinha uma idéia muito vaga sobre isso com base nos discursos da direita conservadora. Era frequente nos meios de comunicação, os militares falarem no perigo cripto-comunista que ameaçava a família brasileira. Ele era eleitor fiel do Ademar de Barros, um famoso político do “rouba, mas faz”, mais conhecido pelas denúncias de corrupção como negociatas, desvios de dinheiro público etc. A culpa toda do medo do meu pai foi de um livro sobre a União Soviética que um colega de trabalho emprestou-me para ler. O livro na verdade não fazia apologia da União Soviética, mas uma crítica ao comunismo. Era um documentário sobre o primeiro país comunista do mundo e comentava sobre alguns progressos, mas criticava a falta de liberdade, ausência de eleições livres etc. A pessoa que me emprestou o livro não

O GOLPE DO RELÓGIO

Ao ver os camelôs nas ruas e praças do centro de São Paulo com centenas de relógios importados de todas as marcas, autênticos e falsificados, faz-me recordar os tempos em que a máquinas de marcar horas eram objetos pouco acessíveis à maioria das pessoas. Um bom e reluzente relógio de pulso era também símbolo de status e cidadania. Por um relógio muitos caiam no conto-do-vigário. O famoso Ômega, um suíço de pedigree era o sonho de consumo de muita gente. Falava-se no Ômega Ferradura (confundia-se a letra grega com a ferradura utilizada nas patas dos cavalos e se pronunciava o nome sem o acento). Meu sogro, paulistano da Mooca acabou caindo no famoso conto lá pelos anos quarenta. Ele havia conseguido o seu primeiro emprego numa companhia de seguros. Com seu terno de casimira inglesa azul marinho e um chapéu Ramenzoni, faltava um relógio para completar a sua elegância. Ao receber o seu primeiro salário, não teve dúvidas, tirou o final da tarde para namorar as vit

O PAPAGAIO IRREVERENTE

Ganhamos um papagaio. Que o IBAMA nos perdoe, mas o tal papagaio foi criado em casa e aprendeu, a duras penas, a falar palavrão. Vai te..., Vai tomar..., eram expressões habitualmente utilizadas pelo bichinho de estimação. Minha cunhada, a dona do louro, trabalhava fora e para aplacar a solidão, ele repetia impropérios que eram ouvidos por toda a vizinhança do prédio. Uma vizinha, ciosa dos bons costumes, fez uma queixa num juizado de pequenas causas, pois o papagaio estava prejudicando a educação dos seus filhotes, soltando palavrões até na mesa de refeições. Entretanto, ficou uma incógnita sobre quem ensinou o bicho o indesejável repertório. A família reza de pés-juntos que não foi ninguém da casa. Conhecendo os hábitos familiares, é impossível duvidar. Com toda certeza foi algum moleque de algum apartamento vizinho, que aproveitando a ausência da dona, enriqueceu o vocabulário da ave. Diante do impasse, ela resolveu doar o bichinho e escolheu a nós para recebê-lo. Como negar? Vamos

ADEUS LENIN

Para a geração de 1968, o ano que não terminou, imaginar que um dia a estátua de Lênin seria carregada com um guindaste para ser depositada em uma caçamba de entulho, era algo simplesmente inusitado. Lembro-me de ter lido, na época, um artigo no Estadão que afirmava categoricamente que jamais haveria retrocesso na revolução russa. Ela poderia avançar, mas nunca retornar ao capitalismo consumista. O autor sinalizava que após setenta anos de revolução e várias gerações, o socialismo já estava no DNA do povo soviético. Ele ia mais longe e afirmava que a URSS estava prestes a passar por uma nova revolução, mas com outras finalidades, como por exemplo desbancar a burocracia partidária que havia se apoderado da primeira experiência socialista do planeta. Esta revolução seria mais um avanço histórico e democrático em direção à utopia comunista, uma sociedade sem classes, sem privilégios, sem fome e sem desigualdades sociais. A Primavera de Praga, segundo o autor, que infelizmente não me recor

LEITE DERRAMADO

Chico Buarque de Hollanda é uma unanimidade nacional e é por isso mesmo que o seu último romance, Leite Derramado, alcançou um sucesso de vendas que poucos escritores, alguns até mais consagrados pelo público e pela crítica, conseguem. É um livro bem editado, com duas opções de capa e é para ninguém botar defeito. A leitura não é das mais fáceis, pois Chico não é um escritor de textos previsíveis, com começo, meio e fim. O personagem Eulalio d´Assumpção começa a sua história em cima de uma maca se dirigindo a enfermeira que o atende num hospital público, onde as pessoas ficam largadas nos corredores, retratando a real situação da saúde brasileira. Um velho senil que se perde entre o passado e o presente confunde personagens da história, fatos e lugares. Com cem anos de idade, Eulálio ainda conserva o orgulho de pertencer a um tradicional tronco de famílias brasileiras. Seu bisavô teria chegado com a família real portuguesa. Na sua árvore genealógica figurariam grandes fortunas do impé

ELE NÃO MORA MAIS AQUI

- Alô! Quero falar com o Asdrúbal ? - Quem? Ah! Ele não mora mais aqui. - Como não mora ...? Quem está falando? - É o filho dele.. - O que aconteceu? Morreu? - Não meu senhor. É que ele mudou. O meu amigo Asdrúbal mudou de endereço e não avisou ninguém. Deixou a bela casa que construiu, tijolo por tijolo, com amor, suor e lágrimas, como diria alguém mais dramático. Lembro-me de quando mudou para o local, indo morar na edícula enquanto levantava a casa dos seus sonhos. O terreno espaçoso, onde abrigaria a área de lazer com churrasqueira e local para as rodas de samba, uma de suas grandes paixões. A amoreira ficou lá, no meio do quintal. “É para os passarinhos se regalarem, dizia orgulhoso”. Ficou também uma goiabeira que no outono carregava, sobrando para presentear amigos e parentes, além dos doces e compotas. A casa do Asdrúbal vivia repleta de bem-te-vis, sabiás , rolinhas que passeavam livres, alem de velhos sambistas que ele ia colecionando no seu rol de amizades. Por lá pass

APANHADOR NO CAMPO DE CENTEIO

Se vocês pensam que eu vou contar minha droga de vida com todos os detalhes sórdidos, podem ir tirando o cavalo da chuva. Eu vou contar apenas algumas coisas que eu tenho vontade de contar, mas vou omitir e mentir em muitas coisas. Ao contrário do Holdem Caulfield do Apanhador em campo de centeio, a minha infância foi pobre, mesmo tendo estudado uns três anos em colégio particular. Eu não fui expulso como ele, mas fui jubilado depois de repetir duas vezes na mesma série. E foi mais por preguiça mesmo do que dificuldade para aprender. Eu era um perfeito relaxado, se é que é possível ser perfeito nessas coisas. Eu não era burro, mas era indisciplinado. Algumas coisas não entravam na minha cabeça. Em português eu até me defendia, pois lia e escrevia com alguma facilidade e era capaz de ler várias páginas em pé, segurando um livro, sem gaguejar. Em matemática me defendia para o gasto. Mas quando era necessário decorar coisas que não me interessavam? Era um desastre. Minha primeira profes

JUNIA COSTA, A MOÇA QUE DEIXOU UM VIOLÃO LÁ EM CASA

JUNIA COSTA, A MOÇA QUE DEIXOU UM VIOLÃO LÁ EM CASA Um dia desses, arrumando as coisas em casa, encontrei um velho violão Gianini todo empoeirado e comecei a pensar na sua história. Foi uma moça, lá das Minas Gerais, mais precisamente de “Belzonte”, como ela chamava a capital do estado, que o deixou aqui. Não sei se ela gostava ou não do violão, mas parece que foi coisa do passado, quando ainda era muito jovem e estudante. Depois de formada o violão foi ficando meio de lado e acabou esquecido, propositalmente por aqui. Quando ela mudou-se para outras plagas, perguntamos: - E o violão, não vai levar?” - Acho que não vou não. Eu gostaria de deixá-lo aqui. Vocês se incomodam? Claro que a gente não ia se incomodar. Mesmo tendo o nosso, um violão a mais nunca seria demais, pois às vezes aparecia mais de um músico para os nossos animados saraus. Depois, um violão é um objeto que tem vida. Não é um vaso, um móvel. As pessoas tocam belas canções e com eles passamos bons mom

Extraterrestres

Revendo quase por acidente o filme ET em que um extraterrestre é apresentando como um pequeno monstrinho sensível e delicado, observa-se um grande contraste com as declarações de pessoas que se dizem abduzidas pelos seres de outros planetas. Umas duas mulheres que relataram os seus “casos” com alienígenas, revelaram que eram altos, loiros e com olhos azuis. Essas pessoas juram por todos os deuses que tiveram filhos destas relações e não ficam constrangidas em mostrá-los na televisão. A entrevistadora faz expressão séria ao formular as perguntas sobre como ocorreram as abduções. A cena me fez lembrar do livro de Carl Sagan, O mundo assombrado pelos demônios em que o autor procura desmascarar, através de explicações fundamentadas na ciência, esses depoimentos sobre encontros com extraterrestres. Sagan não usou meias palavras para criticar esse modismo contemporâneo. Lembra o físico e astrônomo que não há registro histórico de contatos com seres extraterrenos nos séculos anteriores aos li

UMA CANÇÃO PARA MAYSA

Com bastante atraso escrevo sobre a minissérie Maysa, exibida na televisão. Confesso que pouco ou nada me liguei na cantora durante sua vida. No auge de sua carreira eu ainda era muito jovem para entender as suas canções de fossa. Na fase final ou na sua decadência, estava ligado na nova geração de compositores e cantores da fase áurea da MPB, como Caetano, Chico, Edu, Milton Nascimento, Tom Jobim entre outros. Lembro-me de uma revista de fotonovelas que apareceu lá em casa trazida pelas minhas irmãs mais velhas que contava a história da musa. Era a história típica de um conto de fadas. Uma moça da classe média casando com o sobrenome ícone do capitalismo nacional. Tinha tudo para dar certo se não fosse a música e a sua personalidade independente e boêmia. Um casamento dentro dos padrões tradicionais de uma família burguesa não conseguiu suportar a presença de uma vida cercada de holofotes, fofocas e notícias nos jornais. Artista famoso não tem vida privada e ponto final. A sua morte