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AS FLORES DO IPÊ




Da minha janela avisto em uma rua paralela os seus exuberantes ipês amarelos que impõem um colorido especial para a paisagem do bairro. Lembro-me ainda da professora do primário explicando que as flores são folhas modificadas e o ipê altera todas as suas folhas, transformando-as em um amarelo vivo que chega a arder os olhos de tão intenso.
O Ipê amarelo ou Tabebuia chrysotricha, é nativo da Serra do Mar e da Serra da Mantiqueira e é cultivado em todo o país pela sua beleza singular, mesmo que efêmera.
Sem dúvida ele é privilegiado pela natureza e se transformou na árvore símbolo do Brasil. Mas é um privilégio que dura pouco tempo e as árvores estarão sem flores e sem folhas até o final do inverno, hibernando como um esqueleto sem vida para de novo desabrochar no verão com a verdura de suas folhas.
Há tempos invejo os vizinhos que tem o privilégio de recolher diariamente, durante o inverno, o lençol de flores amarelas que se espalham pela calçada. Para tentar não morrer de inveja, tratamos de plantar o nosso próprio ipê, mas no jardim de nossa casa e não na calçada, numa forma egoísta reservar toda a sua beleza para os nossos olhares privativos. Qual o quê! Nosso ipê, após alcançar a fase adulta, não se dignou a dar flores e chegamos a desconfiar que fomos ludibriados por algum gigolô de flores, como uma velha amiga denomina os comerciantes que se dedicam a compra e venda de plantas e flores.
Diante do risco de perder um só dia da beleza dos ipês, abro todos os dias a janela para apreciá-los, pois dentro de poucos dias as flores partirão com a estação fria, que desta vez deixou umidade até nos ossos. Mas neste ano, junto com as flores do ipê, chegou também o Tom que também aprenderá a amar as plantas e as flores como o Jobim.
Ao abrir pela primeira vez os seus olhinhos cinzentos mostrei-lhe ao longe as manchas amarelas no horizonte. Ele pareceu sorrir e depois chorou dando a entender que chegou a tempo de apreciar um pouco da beleza fugaz do nosso pequeno e maltratado planeta.
Que o Tom floresça em cada inverno, para saudar a primavera e esteja sempre presente como arauto da renovação da vida.

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