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Mostrando postagens de agosto, 2010

AS GUERRILHEIRAS

Nos anos setenta conheci uma guerrilheira que utilizava o codinome Rosa. Era uma moça afável e meiga. Era alta e tinha um corpo roliço e um pouco gordinha. Eu era estudante secundarista, ainda adolescente e ela já havia iniciado uma faculdade que não me lembro qual. Entre suas leituras preferidas havia um escritor considerado reacionário, o russo Boris Pasternak, autor do romance Doutor Jhivago, que é a história de um poeta e médico que perde o encanto pela revolução depois que ela atinge a sua vida pessoal. “A vida pessoal acabou na Rússia”, era a fala de um personagem revolucionário, Stenicoff no filme homônimo. Fiquei triste ao ler o livro e descobrir que o roteirista inventou a frase. Mas até hoje não entendi porque a Rosa me emprestou um livro de filosofia do Pasternak, um escritor católico conservador, sendo ela ligada a uma corrente revolucionária chinesa, super radical. Outra que conheci era de um movimento trotskista que também acabou optando pela luta armada. Essa era fei

O APAGÃO

De repente as luzes começaram a se apagar e a escuridão invadiu todos os espaços, esparramando-se pelas avenidas, praças, vielas, prédios e quintais como uma nuvem que desceu dos céus. Mas aos poucos algumas pequenas e tímidas luzes foram surgindo e tive a sensação de que voltávamos para o século XIX, antes da eletricidade ser trazida pelos ingleses. Foi como se aos poucos, depois do susto inicial, as pessoas estivessem saindo do estado de letargia ou preguiça tecnológica e começassem a buscar soluções para o caos. As velhas, antiquadas e poluidoras velas de parafina, com cheiro de velório, sempre presentes nas gavetas como lembranças de outros apagões, ganharam a cena e ajudaram as pessoas a se olharem numa outra perspectiva. Os penteados, as maquiagens, as roupas, deixaram de ter importância. O que passou a valer de verdade foram as vozes, as palavras, os gestos que se faziam presentes como num teatro de sombras. As ruas da Vila Madalena, reduto boêmio da cidade estavam salpicada
OS ÓCULOS Os óculos fazem parte das pessoas, é um objeto que integra a personalidade dos indivíduos que utilizam. O jeito de arrumá-lo no rosto, de limpá-lo, de olhar... Usar óculos torna as pessoas mais cautelosas, controladas e até mais elegantes.       Escrevo sobre os óculos porque encontrei, ao remexer velhos papéis, velhos livros, antigas gavetas, os que pertenceram ao meu pai. Estavam velhos e desgastados pelo tempo, mas ao tocá-los senti uma vibração como se estivesse tocando  algo vivo e não uma coisa inerte constituída de plástico, metais e lentes de cristal, além do trabalho humano, nele impregnado. Ele foi usado ao longo de muitos anos e viu muita coisa passar pelas suas lentes. Durante anos, todas as manhãs, após o café, com eles ia até o portão e observava os transeuntes, amigos e desconhecidos. Via as rugas que marcavam seus antigos companheiros, via as crianças que passavam ao colo de mães que eram filhas ou noras de seus amigos. Viu velhos conhecidos e amigos pa
A MOENDA Dona Elisa morava na casa em frente a nossa. Meus pais achavam que ela não regulava bem da cabeça, pois falava sozinha, andava vestida de modo estranho e gostava muito de crianças. Quando eu digo que ela gostava de crianças estou me referindo a brincar como criança, conversar ou agir como tal. Uma vez ela reuniu várias crianças da rua e, para desespero dos pais, levou todas para um longo passeio. Lembro-me que fomos até uma rodovia, distante uns dois quilômetros de nossa casa. Até lá fomos passando por locais incríveis para os meus olhos de menino, que conhecia aquela paisagem de forma bem distante. Meu olhar sonhava aquelas paragens e eu pude descobrir que tudo aquilo era maior do que o meu olhar. Na volta, depois de algumas horas, todos cansados, mas felizes, recebemos uma repreensão dos pais, que estavam todos reunidos na esquina à espera da “raptora” de crianças. Pobre dona Elisa, precisou ouvir o que não queria do seu marido, o seu Sebastião, um homem muito sério e sisud