Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de 2023

RICHARD HENRY CLAYTON, UM INGLÊS NA MINHA SALA

Numa multinacional francesa apareceu do nada um inglês contratado para uma posição acima da do meu chefe. Inicialmente, ele não tinha sala e ficou acomodado numa pequena mesa que existia na minha salinha, ao lado do meu superior. Richard era um homem alto, magro e usava grandes óculos e não se incomodava em esticar suas longas pernas para os lados. Poderia pedir a minha mesa e ocupá-la sem maiores cerimônias, mas nunca aventou tal possibilidade. Era sempre um gentleman e revezávamos no cafezinho. Às vezes me servia e em outras eu o servia. Como um bom inglês, sentia falta do chá e eu acabei resolvendo, comprando uma chaleira elétrica que ele pagou com grande prazer. E assim, tínhamos chá todos os dias. O seu Afonso Salmeron Castilho, um velho faxineiro espanhol providenciava a bebida na salinha onde ficavam os materiais de limpeza. Richard tinha uns hábitos peculiares. Arregaçava a camisa social invariavelmente branca até o antebraço e lá enfiava o maço de cigarros Continental com fil

LUTO: FLADEMIR BASSI LOPES

Recebi hoje a triste notícia da partida do querido professor Flademir com quem trabalhei durante vinte anos na FEI. Flademir um mestre sempre dedicado aos seus alunos e ao ensino. Trabalhou muitos anos como executivo na ZF e Otis na área de Compras e terminou sua carreira como professor de Teoria Geral de Administração na FEI durante mais de 30 anos. Para os colegas era um bom conselheiro pela sua grande experiência profissional e como mestre era também um ombro amigo para apoiar e orientar seus pupilos. Já afastado da vida acadêmica, dividia-se entre São Bernardo e São Pedro, onde tinha uma casa de veraneio. Mas no meio do caminho apareceu um câncer que o venceu hoje às 6 horas da manhã. Gostava de contar uma história quando sofreu um grave acidente nos anos 1980 e foi dado como morto. Sua família chegou a ser avisada, mas ele não desistiu da vida e sobreviveu por mais 30 anos. Esse era o grande professor Flademir. Meus sentimentos à esposa, filhos e netos do querido mestre.

NO SÉCULO PASSADO, QUASE TODOS ERAM RACISTAS

Quando Euclides da Cunha publicou seu livro mais famoso, Os Sertões, baseado na sua experiência como repórter do Estadão na cobertura da Guerra de Canudos, a “hierarquia das raças” era dominante na sociedade brasileira e no mundo ocidental, incluindo o meio acadêmico. No século XIX as teorias de Arthur Gobineau sobre a superioridade dos brancos era consagrada e D. Pedro II foi seu admirador e correspondente. Tinha-se como consagrado, que os povos europeus haviam conquistado a América e a África pela sua superioridade racial, fazendo jus a escravização dos povos nativos. Em Os Sertões, Euclides da Cunha, um engenheiro militar culto se esmerou em expor as teorias racistas que conhecia, em boa parte do livro, no capítulo em que descreve as populações do Nordeste. Atualmente muito se fala em Monteiro Lobato pelas inferências racistas em sua obra, principalmente na literatura infanto-juvenil. Por isso, já houve até propostas de censurá-la ou reescrevê-la, retirando passagem que indicam pos

CARMEN MIRANDA

Na minha infância ainda se ouvia falar sobre a grande cantora Carmem Miranda, cujas canções que interpretou fizeram história e ficaram no imaginário do povo. Minha mãe sabia algumas que ela cantava e um irmão dela, que morava no Rio, garantiu que a via sempre por lá e assistiu vários shows que fazia ainda no começo da carreira. Como ainda era muito criança, pouca coisa me lembro sobre ela e a mais marcante era uma revista “O Cruzeiro” que havia em casa sobre o seu funeral, que minha mãe guardou por muitos anos. Foi um grande acontecimento que marcou a cidade maravilhosa. E agora, depois de tanto tempo, resolvi enfrentar a magnifica biografia de mais de 400 páginas sobre essa mulher espantosa, escrita por Ruy Castro, um competente biógrafo. Ouvindo os mais velhos, me lembro das conversas sobre o fato dela ter se americanizado, perdendo a sua brasilidade. Falavam como se ela houvesse traído o seu povo. Nada mais falso. Para começar essa mulher magistral, apesar do pequeno tamanho, n

MEU TIO CARIOCA

Meu tio Elisário foi para o Rio de Janeiro em meados de 1928 para estudar e trabalhar. Lá se hospedou na casa de um médico, parente de sua mãe, chamado Ajax Rabello. Era o meu tio carioca, como todos que no Rio moravam, tinham direito a alcunha, não importando a origem, como o pernambucano Nelson Rodrigues, a portuguesa Carmem Miranda ou o livreiro francês Baptiste-Louis Garnier. Mesmo antes de concluir o curso de guarda-livros, nome que antigamente se dava aos contadores, ele já estava trabalhando em um banco, fazendo escriturações contábeis com sua letra pequena e caprichada. No Rio ele vivenciou a grande crise de econômica de 1929, mas não chegou a perder o emprego. Contava em cartas para os pais que moravam em Araçatuba, interior de São Paulo, as novidades da capital federal. Citava que o presidente da República ia ao banco sem nenhum aparato de segurança, como um cliente comum. Outras vezes o via tomando um carro para ir a algum compromisso sem nenhum aparato, difícil de imagi

PROSTATA CANTADA EM PROSA E VERSO

O homem que ainda não teve problemas com a próstata, não perde por esperar. Um dia ela se manifesta e pode ser de forma benigna ou maligna. Na maioria das vezes é benigna, com o aumento do tamanho que pode afetar a passagem da urina pelo ureter. Daí as noites mal dormidas que faz as pessoas levantarem várias vezes para esvaziar a bexiga. Para esse caso, tem solução se o sujeito tiver um bom plano de saúde. Quando é maligna, a coisa é mais complicada, exigindo a retirada do órgão e é bom torcer para o câncer não ter se espalhado para outros órgãos. Essa forma mais agressiva é mais rara, mas é bom não se descuidar, pois estatisticamente, com 100 anos de idade, temos cem por cento de chance de ter um câncer no órgão, como também a mulher ter um tumor no útero. Tive um amigo, que mesmo com a forma benigna, não se cuidou. Ele levantava de meia e meia hora para se aliviar, dia e noite. Com o tempo a bexiga perde a elasticidade e o indivíduo não consegue mais esvaziá-la totalmente, o que pod

IGUALDADE SALARIAL PARA AS MULHERES

A nova lei que estabelece salário igual para as mulheres na mesma função me parece uma panaceia sem resultados práticos. Primeiramente, porque a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) já prevê essa isonomia desde os anos 1940, quando foi promulgada pelo então presidente Getúlio Vargas. Assim, não importa se for mulher ou homem, quando as funções forem iguais, os salários devem ser os mesmos. Admite-se que em fase probatório os salários podem ser diferentes, mas depois de dois anos em funções iguais não há por que existir diferenças. Assim estabelece a lei no artigo 461: “Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, na mesma localidade, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, nacionalidade ou idade.” É sabido que na média, a remuneração das mulheres é inferior aos homens, mas isso ocorre de forma geral e não necessariamente por desobediência proposital na grande maioria dos casos. Se tomarmos, por exemplo, os ganhos das engenheir

LTI A LINGUAGEM DO TERCEIRO REICH

O retorno, sempre indesejável das ideias nazistas ou fascistas, é sempre um motivo de preocupação, principalmente para aqueles sintonizados com os destinos da humanidade e defendem a liberdade de pensamento ou de credo. Acabo de ler a edição mais recente, de 2009, presenteada por um amigo. O livro é baseado no diário de um cidadão alemão de origem judaica que viveu a tragédia do III Reich. Klemperer era filho de um Rabino, mas converteu-se ao Luteranismo, mesmo sendo agnóstico, pois desejava ser um alemão como qualquer um e por fim, casa-se com uma pianista alemã, não judia. O autor era um professor universitário livre-docente em Filologia e também especialista em literatura francesa. Sua vida começa a mudar a partir da tomada do poder por Adolf Hitler em 1934 que se proclama chanceler e presidente da Alemanha, o Fuher. Em 1935 Klemperer é destituído do seu cargo na universidade no processo de “purificação nazista”. A partir daí, Klemperer passa a trabalhar como simples operário, ta

UM CÁLCULO COMPLICADO

Não me refiro aos cálculos de diferencial e integral, assunto sobre o qual sou leigo. O cálculo a que me refiro é o renal. Somente aos quarenta descobri que tinha um, provavelmente por razões genéticas. É um cálculo chato, principalmente quando ele é expulso dos rins, cai na bexiga e encontra dificuldade para passar pelos estreitos caminhos adiante. Um desses cálculos parou meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra, como no poema do Drummond. Para resolver, tomei uns três litros de água até que a danadinha caiu pulando como um serelepe no mictório. Com um papel higiênico, a recolhi, lavei e fiquei olhando para ela e imaginando suas travessuras pelas minhas vias urinárias. Era um cálculo bem graúdo, quase do tamanho de um grão de feijão, mas todo áspero e disforme. Guardei a relíquia e a levei para o médico que avaliou como uma formação de oxalato de cálcio. Recomendação: tomar muita água durante o dia, pois assim dificulta a formação de novos cálculos nos rins. A coisa é re

CONFISSÕES DE UM QUASE FUMANTE

Meu pai fumava um cigarro por dia, normalmente à noite depois do jantar. Nos fins de semana abria uma exceção e fumava também no almoço. Seu maço de Mistura Fina, considerado um quebra-peito ou fumo forte, durava até duas semanas. Mas um dia sentiu uma leve tontura depois de uma tragada e nunca mais fumou. Minha mãe fumava, mas às escondidas para não dar mau exemplo para os filhos. Mas depois que os filhos ficaram adultos, ficou livre do moralismo e passou a consumir um maço por dia. A cultura do cigarro era tão forte que uma atividade da garotada na minha época, era colecionar as embalagens de cigarros em que as marcas mais comuns eram trocadas por outras mais difíceis. Continental, Hollywood, Lincoln, Mistura Fina eram marcas fáceis e desprezíveis e só iniciantes se davam ao trabalho de pegar uma na rua. Um Pulmann valia dois Hollywoods. Um “Mescla Dourado” tinha um bom valor de troca, pois era mais raro. Marcas estrangeiras então, nem se fala, quem tinha uma conseguia até vendê-