Não me refiro aos cálculos de diferencial e integral, assunto sobre o qual sou leigo. O cálculo a que me refiro é o renal. Somente aos quarenta descobri que tinha um, provavelmente por razões genéticas. É um cálculo chato, principalmente quando ele é expulso dos rins, cai na bexiga e encontra dificuldade para passar pelos estreitos caminhos adiante. Um desses cálculos parou meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra, como no poema do Drummond. Para resolver, tomei uns três litros de água até que a danadinha caiu pulando como um serelepe no mictório. Com um papel higiênico, a recolhi, lavei e fiquei olhando para ela e imaginando suas travessuras pelas minhas vias urinárias. Era um cálculo bem graúdo, quase do tamanho de um grão de feijão, mas todo áspero e disforme. Guardei a relíquia e a levei para o médico que avaliou como uma formação de oxalato de cálcio. Recomendação: tomar muita água durante o dia, pois assim dificulta a formação de novos cálculos nos rins. A coisa é relativamente simples. Os rins funcionam como filtros do sangue, retendo todas as impurezas e excessos da alimentação. Quando a pessoa toma pouca água ou líquidos, esses resíduos se acumulam e vão formando pequenas pedras. Existem casos em que se formam tantos cálculos que o rim para de funcionar.
Como tinha, até então, o hábito de beber pouca água, acumulei muitos cálculos no rim esquerdo, enquanto no direito nada. Com a mudança comecei a expeli-los quase que diariamente. Cheguei a colecionar dezenas numa caixinha de fósforos que estava guardando de recordação até que meu neto resolveu brincar com elas e nunca mais as vi.
A partir daí fui relembrando que esses cálculos me atazanaram a vida desde a juventude e eu não sabia a causa. Lá pelos vinte anos, tomando uns chopes com amigos no velho Zangão que ficava na Avenida Goiás, senti uma dor aguda, muito forte na altura do rim esquerdo, uma cólica renal. Meus amigos me levaram ao Pronto Socorro onde fui medicado. Melhorei, mas no dia seguinte a dor voltou, mas com menos intensidade. Fiz radiografia e exames de laboratório, que não acusaram nada e fiquei sem saber por que a dor foi tão forte.
Muitos anos depois fazendo um checkup, o médico observou que havia um enorme cálculo enroscado na saída da bexiga, com mais de 6 mm. Para tirar o intruso, foi usada uma sonda pela uretra com um triturador na ponta que o esfarelou, a chamada litocripsia. Foi aparentemente uma moleza, mas depois da alta percebi que o cálculo tinha um alto custo no cálculo residual. O cirurgião deixou um cateter na saída da bexiga que ficou ferida pelo procedimento e facilitar a cicatrização. Quando fui esvaziar a bexiga pela primeira vez sem a sonda, senti a maior dor do mundo. Foi uma semana de sofrimento até que aos poucos normalizou.
Como era Professor numa faculdade que tem curso de engenharia, um professor ao ouvir a minha conversa com outro colega, perguntou curioso: É diferencial integral? (disciplina da matemática que apavora os alunos). Rimos muito, mas ele aproveitou para explicar a origem da palavra cálculo que a Matemática se apropriou. Cálculo vem do Latim, calcalus, cuja raiz é cálcio. Na antiguidade, se utilizava pedrinhas ou cálculos para ensinar as crianças a fazerem contas.
Num dia desses visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...
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