Pular para o conteúdo principal

JOSÉ DE ARRUDA PENTEADO, UM EDUCADOR


Num dia desses  visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos.

Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o tempo foi passando e sempre fomos deixando para depois. É assim mesmo: deixamos sempre o essencial para depois, quando não há mais tempo... E de fato ele não esperou por nós e partiu num dia desses. Por sorte (não sei se azar) às vezes dou uma olhadela na página de anúncios fúnebres do jornal e vi seu nome: José de Arruda Penteado, paulista de velha estirpe, faleceu aos 78 anos... Senti uma profunda tristeza e arrependimento por perder a oportunidade de um último contato com aquela personalidade carismática que aprendemos a amar e respeitar pelas suas convicções e amor pela profissão de educador.

Minha mulher, a Célia, lembrou da sopa de legumes que preparara muitas vezes para as nossas noitadas. Ele fazia questão do vinho, assunto que conhecia com alguma propriedade. Uma vez, como o encontro era improvisado, precisou comprar o vinho numa padaria do bairro. Ele indagou solene ao velho português sobre os vinhos disponíveis em seu estoque. Espantado com o freguês, o comerciante não teve dúvidas, pediu licença e foi buscar duas garrafas de um “português legítimo” que trouxera de sua última viagem a terrinha. O vinho foi classificado pelo professor Penteado como um vinho maduro, com personalidade. Nessa noite, após a sopa regada ao bom vinho lusitano, o mestre adormeceu no sofá de nossa casa e somente acordou quando o sol já estava alto. Esqueceu de avisar a família, o que lhe causou sérios aborrecimentos.

Infelizmente, o mestre saiu da faculdade, provavelmente demitido por questões políticas, pois era um crítico contundente da estrutura educacional vigente, tema no qual os conformados e medíocres preferiam não tocar. Soube depois que concluíra a livre docência e estava assessorando universidades no interior do Estado. Ele foi um mestre que preferia estar em contato com as bases, os alunos. Gostava de ouví-los, sentir as suas aspirações, seus medos e esperanças. Acreditava que a academia precisava estar mais perto dos estudantes, pois eles que davam vida à universidade. Essa característica não era bem vista pela maioria dos seus colegas que optavam por manter uma distância arrogante em relação aos alunos. Com a morte do professor Penteado perde o país um grande educador e intelectual, além de um importante interlocutor entre a cultura popular e a academia.

Comentários

  1. Conheci o professor Penteado por pouco tempo, ele não ministrava mais aulas na pós, por isso não tive o prazer de que fosse o meu mestre. Contou sobre como foi preso no dia em ministrava a aula sobre Makarenko, o pedagogo russo. Participou de minha qualificação de mestrado, a convite do prof. Pel, com uma elegância e contribuição que ficaram marcadas. Ainda lembro que quando ainda não nos conhecíamos, certa vez participou de uma experimentação das Artes, ao vivenciar uma experimentação de leitura com objetos, ele comentou que eu tinha uma profundidade do esteta, que eu era uma perfeita esteta e ficou impressionado com isso (falando com este mesmo vozeirão que você nos conta em sua memória. Uma melodia de voz que sinto falta no dia-a-dia em São Paulo). Porque era generoso e tinha um olhar muito apurado, via além e iluminava caminhos. Ele deixou grandes experiências na Pedagogia e se estivesse vivo veria que os problemas que você escreveu sobre a academia, estão muito, muito piores. O lema é mais ou menos assim: pouco conhecimento gera arrogância, muito conhecimento gera humildade. Por seu vasto conhecimento e humanidade, ele era humilde. Obrigada por escrever. Betania

    ResponderExcluir
  2. Pois é Betânia, o professor Penteado foi realmente uma grande figura. Há muitas histórias contadas por ele nas mesas dos bares ou lá em casa-naqueles tempos sombrios era impossível contá-las em sala de aula. Qualquer dia desses vou tentar lembrá-las numa outra crônica.
    Obrigado pela lembrança.

    ResponderExcluir
  3. Muito bonita a sua cronica, e tambem muito emocionante porque o Professor Penteado nao chegou a ser meu professor na FAAP Artes Plasticas pq foi demetido um semestre antes, mas ele era meu tio. Um tio muito querido, abracos, Fatima

    ResponderExcluir
  4. Que bom Fátima. O Prof. Penteado é sempre lembrado pelos nossos amigos dos tempos de faculdade.

    ResponderExcluir
  5. Professor Penteado foi meu professor no Brasílio Machado em 1978, segundo grau. Espantava-nos com suas posições políticas, com sua cultura exuberante. Trazia-nos noções desconhecidas como "design" e "ergonomia", das quais demonstrava a irrefutável importância numa época em que tais termos não tinham sequer menção nos meios de comunicação. Apesar do notório cabedal, tratava-nos, alunos secundaristas, como potências intelectuais dignas de respeito. Isso também não era comum no ensino secundário dos anos 70, tanto menos numa escola pública. Com essa postura ética e o orgulho que demonstrava pelo magistério, conquistou o respeito e admiração daqueles adolescentes que passaram então a dar muito mais importância às aulas de desenho pois queriam ouvir o que aquele extraordinário e memorável mestre tinha a dizer.

    ResponderExcluir
  6. O prof. Penteado era exatamente assim na faculdade. Tinha prazer em ouvir os seus pupilos.

    ResponderExcluir
  7. Esse José de Arruda Penteado é o que fez o livro Curso de Desenho?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É o mesmo Penteado. Ele escreveu esse livro que teve várias edições e foi muito utilizado nas escolas até os anos 70.

      Excluir
  8. Saudades do meu professor que nos anos 78-79 falava sobre Marx, pedi-lhe, com toda ingenuidade que queria ler O Capital, o que causou espanto. Pude usufruir um pouco de sua companhia ao me casar com um de seus alunos e amigos, o Ademir, eram opotunidades incríveis, que eu, na minha ansia juvenil, siceramente, não compreendia muito, era muita informação, muito conhecimento. Temos como ultima lembrança sua ida a nossa casa, aniversário do Ademir, junto com o Luizão, foi impar.

    ResponderExcluir
  9. Lembro-me sempre das aulas que tive com ele na São Judas no curso Licenciatura, ele ministrou aulas sobre a LDB. Mostrou-nos as experiência realizadas em uma escola em Bauru. Não consegui localizar dados desta experiência. Realmente foi um grande educador.

    ResponderExcluir
  10. Olá.....ao encontrar esta matéria, não pude deixar de invadir e deixar minha homenagem. Fui um aluno do Grande Penteado, uma pessoa diferenciada, alguem que não passou apenas pela vida... deixou sutilmente sua pegada para que outros a seguissem. Lembro sempre do jeitão sizudo e irônico que mascarava aquele ser sensível e engraçado com sua maneira crítica e verdadeira. Apenas citando o que para mim ja retrata quem era nosso Penteado, estudei muitos anos com ele, e pelo fato de eu gostar muito de desenhar..... nos dias de prova ele se aproximava da minha mesa batia os dedinhos gordos na minha folha e sussurrava:Não precisa fazer a prova não, faz um desenho pra mim." Eu fazia a prova e o desenho pra ele. Saia da sala orgulhoso por ele querer um desenho meu. Isso representou muito para mim e com certeza muito do que sou hoje devo a esse MESTRE. Que ele esteja em bom lugar. Esse merece.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Gostaria de saber o que você é hoje, pois este professor foi meu pai, e estou resgatando suas produções e histórias. Fiquei muito emocionada com todas as lembranças colocadas aqui. A crônica, muito elogiosa, me fez ouvir o vozeirão dele que em muitos momentos nos dava medo...
      Helena de Arruda Penteado

      Excluir
    2. Helena, estou escrevendo uma tese sobre a história da Faculdade de Educação da USP e não encontro dados sobre um professor chamado Onofre de Arruda Penteado Junior. Por acaso ele foi seu avô ou tio avô?

      Excluir
    3. Oi Alex. Onofre de Arruda Penteado Jr. era o pai de Jose de Arruda Penteado. Um homem educado, culto, uma pessoa muito especial, principalmente para mim, pois era meu avo querido.

      Excluir
  11. Helena,
    Foi um grande prazer saber que a filha do querido professor Penteado leu a minha modesta crônica. Quanto a mim, graduei-me e licencei-me em Ciências Sociais, mas fui trabalhar em empresas na área de RH. Depois fiz mestrado em Administração e um pouco mais tarde, doutorado em Antropologia na PUC e estou trabalhando como professor no Centro Universitário da FEI em SBC e em SP. Estou a sua disposição para falarmos um pouco mais sobre o mestre Penteado. |Um grande abraço.

    ResponderExcluir
  12. O professor Penteado, era assim que era chamado por seus alunos, foi meu professor no Brasílio Machado quando fiz o curso Normal.Era nosso professor de Desenho Pedagógico mas conversava conosco a respeito de Sociologia e nos encantava com seus comentários.
    Anos mais tarde, quando me preparava para o Mestrado, ministrou uma disciplina e fez parte da minha banca de qualificação.Os comentários que fez, encantaram os outros professores da banca e enriqueceram tremendamente as orientações para a minha dissertação.Foi um professor que deixou marcas muitas importantes na minha vida acadêmica.

    ResponderExcluir
  13. O desenho que retrata o prof. Penteado é do Roberto Soeiro, que também foi seu aluno na Fundação Santo André.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Infelizmente o Roberto Soeiro também faleceu há alguns anos.

      Excluir
  14. Só pelo fato das pessoas procurarem por ele na Internet e lerem e comentarem a crônica mostra como era querido pelos alunos.

    ResponderExcluir
  15. Saudades, meu amigo, não fui seu aluno , mas, amigo, tínhamos nossas reuniões semanais no restaurante Itamarati, privilegiados pela cultura ímpar do grande professor, firme,altivo e inocente na sua bondade, guardo parte de sua prateleira, presenteada após o desgosto da ditadura, grande abraço aos familiares.francisco corrêa.

    ResponderExcluir
  16. Conheci o professor ele é tudo isso que as pessoas falam pois convivi com a sua família durante alguns anos atrás. Gostava muito da Leninha!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A ROCA DE FIAR

Sempre que visitava antiquários, gostava de ficar observando as antigas rocas de fiar e imaginando que uma delas poderia ter sido de uma das minhas bisavós e até fiquei tentado a comprar uma para deixá-la como relíquia lá em casa. Por sorte, uma amiga de longa data, a Luci, ligou um dia desses avisando que tinha um presente para nós, que ficaria muito bem em nossa casa. Para minha surpresa, era uma roca de fiar, muito antiga, que ela ganhou de presente. Seu patrão se desfez de uma fazenda e ofereceu a ela, entre outros objetos, uma roca, que ela gentilmente nos presenteou. Hoje uma centenária roca de fiar está presente em nossa casa e, além de servir como objeto de decoração, é a alegria do Tom, meu neto, que fica encantado ao girar a roda da roca. Para ele é um divertimento quando vem nos visitar e passa algumas horas em nossa companhia. Ele grita e ri de modo a ouvir-se de longe, como se a roca fosse a máquina do mundo. Recordo-me, quando criança, que minha mãe contava história

BARRA DE SÃO JOÃO

Casa  onde Pancetti morou Em Barra de São João acontece de tudo e não acontece nada. As praias são de tombo e as ondas quebram violentamente na praia. Quase ninguém as freqüenta a não ser algum turista desavisado, preferencialmente os paulistas. Mas o lugarejo é tranqüilo, com ruazinhas arborizadas com velhas jaqueiras e com muitas primaveras nos jardins, dando uma sensação gostosa de paz e tranqüilidade há muito perdidas nas grandes metrópoles. Foi lá que nasceu o poeta Casimiro de Abreu e onde foi sepultado conforme seu último desejo. O seu túmulo está no cemitério da igreja, mas dizem que o corpo não está lá e que foi “roubado” na calada de uma das antigas noites do século dezenove. A casa do poeta, restaurada, fica às margens do Rio São João é hoje um museu onde um crânio humano está exposto e alguns afirmam que é do poeta dos “Meus Oito Anos”. Olhei severamente para o crânio e questionei como Shakespeare em Hamlet: “To be or not to be”, mas fiquei sem resposta. O casario