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Mostrando postagens de junho, 2009

NATALINA, UMA DOMÉSTICA DE CULTURA

O pedreiro passou lá em casa e deixou uma pequena obra e muita sujeira. A limpeza seria árdua se não fossem os esforços da Natalina, uma empregada que passou uns tempos lá em casa. Mas no início da faxina minha mulher antecipou que seria muito difícil e eu disse que seria necessário esfregar exaustivamente para conseguir algum resultado. Algum tempo depois ouvi a Natalina dizer: “Já esfreguei exaustivamente e não consegui nenhum resultado”. Primeiramente pensei que ela tivesse gostado da palavra e a havia incorporado ao seu repertório pela sonoridade do vocábulo, mas logo depois percebi que não era bem isso. Tempos depois, sentado no sofá lendo meu jornal num dia de folga, enquanto a Natalina fazia a faxina na estante ouvi a máxima: “As vinhas da Ira é um livro muito interessante. É o livro que mais gosto do Steimbeck”. Olhei para os lados para me certificar de que fora mesmo a Natalina que havia pronunciado aquela frase. E era mesmo. “Você leu todo o Steimbeck?” Perguntei surpre

UM COMUNISTA

Lembro-me quando meu pai contou a um primo mais velho que estava preocupado com a possibilidade de eu ter me tornado um comunista. Não que ele soubesse exatamente o seria um comunista ou comunismo. Ele tinha uma idéia muito vaga sobre isso com base nos discursos da direita conservadora. Era frequente nos meios de comunicação, os militares falarem no perigo cripto-comunista que ameaçava a família brasileira. Ele era eleitor fiel do Ademar de Barros, um famoso político do “rouba, mas faz”, mais conhecido pelas denúncias de corrupção como negociatas, desvios de dinheiro público etc. A culpa toda do medo do meu pai foi de um livro sobre a União Soviética que um colega de trabalho emprestou-me para ler. O livro na verdade não fazia apologia da União Soviética, mas uma crítica ao comunismo. Era um documentário sobre o primeiro país comunista do mundo e comentava sobre alguns progressos, mas criticava a falta de liberdade, ausência de eleições livres etc. A pessoa que me emprestou o livro não

O GOLPE DO RELÓGIO

Ao ver os camelôs nas ruas e praças do centro de São Paulo com centenas de relógios importados de todas as marcas, autênticos e falsificados, faz-me recordar os tempos em que a máquinas de marcar horas eram objetos pouco acessíveis à maioria das pessoas. Um bom e reluzente relógio de pulso era também símbolo de status e cidadania. Por um relógio muitos caiam no conto-do-vigário. O famoso Ômega, um suíço de pedigree era o sonho de consumo de muita gente. Falava-se no Ômega Ferradura (confundia-se a letra grega com a ferradura utilizada nas patas dos cavalos e se pronunciava o nome sem o acento). Meu sogro, paulistano da Mooca acabou caindo no famoso conto lá pelos anos quarenta. Ele havia conseguido o seu primeiro emprego numa companhia de seguros. Com seu terno de casimira inglesa azul marinho e um chapéu Ramenzoni, faltava um relógio para completar a sua elegância. Ao receber o seu primeiro salário, não teve dúvidas, tirou o final da tarde para namorar as vit

O PAPAGAIO IRREVERENTE

Ganhamos um papagaio. Que o IBAMA nos perdoe, mas o tal papagaio foi criado em casa e aprendeu, a duras penas, a falar palavrão. Vai te..., Vai tomar..., eram expressões habitualmente utilizadas pelo bichinho de estimação. Minha cunhada, a dona do louro, trabalhava fora e para aplacar a solidão, ele repetia impropérios que eram ouvidos por toda a vizinhança do prédio. Uma vizinha, ciosa dos bons costumes, fez uma queixa num juizado de pequenas causas, pois o papagaio estava prejudicando a educação dos seus filhotes, soltando palavrões até na mesa de refeições. Entretanto, ficou uma incógnita sobre quem ensinou o bicho o indesejável repertório. A família reza de pés-juntos que não foi ninguém da casa. Conhecendo os hábitos familiares, é impossível duvidar. Com toda certeza foi algum moleque de algum apartamento vizinho, que aproveitando a ausência da dona, enriqueceu o vocabulário da ave. Diante do impasse, ela resolveu doar o bichinho e escolheu a nós para recebê-lo. Como negar? Vamos

ADEUS LENIN

Para a geração de 1968, o ano que não terminou, imaginar que um dia a estátua de Lênin seria carregada com um guindaste para ser depositada em uma caçamba de entulho, era algo simplesmente inusitado. Lembro-me de ter lido, na época, um artigo no Estadão que afirmava categoricamente que jamais haveria retrocesso na revolução russa. Ela poderia avançar, mas nunca retornar ao capitalismo consumista. O autor sinalizava que após setenta anos de revolução e várias gerações, o socialismo já estava no DNA do povo soviético. Ele ia mais longe e afirmava que a URSS estava prestes a passar por uma nova revolução, mas com outras finalidades, como por exemplo desbancar a burocracia partidária que havia se apoderado da primeira experiência socialista do planeta. Esta revolução seria mais um avanço histórico e democrático em direção à utopia comunista, uma sociedade sem classes, sem privilégios, sem fome e sem desigualdades sociais. A Primavera de Praga, segundo o autor, que infelizmente não me recor