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Mostrando postagens de junho, 2019

ÁGUA INDÓCIL DE ANA CLARA DE VITTO

Publicado em 26 de June de 2019 por  Renato Ladeia A poesia de Anna Clara De Vitto parece estar submersa, mas vem à tona em cada verso, arrebentando-se nas praias do inesperado e também do cotidiano. É uma viagem, por vezes, em pequenos poemas ou em outros mais longos. A praia e o Atlântico estão sempre presentes. Santos é o seu ponto de partida, a cidade onde nasceu e regressa numa relação quase uterina, profunda e repleta de incógnitas. Hoje na metrópole, a poeta resgata os sonhos e pesadelos com o mar em sua infinita grandeza e com todos os seus medos e dúvidas.  Mas o mar está presente em improváveis castelos de areia e em insistentes murmúrios e ais. No mar de concreto ela constrói, como o ladrilhador de Walter Benjamin, novos significados para as palavras, para a dor e para o tempo. Poesia não é sentimento, não é lembrança, não é acontecimento, já foi dito por Rainer Maria Rilke em Cartas para um jovem poeta.  Poesia é ficção, o poema não é confessionário ou divã d
SEU CHICO, UM MESTRE DA MADEIRA Uma coluna de madeira da garagem, atacada por indesejáveis cupins, me fez pegar o telefone e ligar para o seu Chico, um velho carpinteiro-marceneiro que fez vários serviços em casa. Atendeu a filha que queria saber quem gostaria de falar com ele e só depois deu a notícia de que o velho Chico havia falecido. Diante da má e inesperada notícia perguntei sobre a causa e ela me explicou que foi um novo AVC, já que ele tivera outro há alguns anos. Estava o seu Francisco indo para a padaria, quando, no meio do caminho, sem nenhum aviso prévio, caiu no meio do passeio público. Chamaram o socorro, mas não havia mais nada o que fazer. Seu Francisco, ou Chico, morreu na contramão atrapalhando o tráfego, como diria a canção do outro Chico, que recebeu o prêmio Camões de literatura. Seu Francisco morava em Ribeirão Pires e foi, a mim indicado, por um amigo de lá, o músico David Filho. Com seu jeito simples, ele fez um orçamento que chegou a me espantar, po

UM SONHO MATERNAL

">Era uma tarde chuvosa e indisposta. Caminhei por um bom tempo até encontrar minha antiga casa. Estava tudo igualzinho quando eu era criança. As mesmas plantas, a mesma roseira e o antigo pé de babosa que era um santo remédio para problemas com o couro cabeludo. O portão estava aberto e as folhas secas estavam espalhadas pela calçada que acessava ao terraço. O muro com balaústres onde eu me sentava para acompanhar o movimento da rua, parecia ser bem mais alto nos velhos tempos. Agora parecia baixo e poderia ser facilmente pulado por gente mal-intencionada.                Há quanto tempo que eu não venho por aqui, pensei enquanto sonhava. A porta estava meio aberta e entrei. Onde estará o pessoal? Será que não tem ninguém em casa! Perguntei quase gritando. Mas ninguém respondeu. Fui para a cozinha e minha mãe estava sentada numa cadeira na ponta da mesa. Com o cigarro aceso entre os dedos, ela tragava e soltava fumaça para o alto, observando os desenhos que se formavam.