SEU CHICO, UM MESTRE DA MADEIRA
Uma coluna de madeira da
garagem, atacada por indesejáveis cupins, me fez pegar o telefone e ligar para
o seu Chico, um velho carpinteiro-marceneiro que fez vários serviços em casa.
Atendeu a filha que queria saber quem gostaria de falar com ele e só depois deu
a notícia de que o velho Chico havia falecido.
Diante da má e
inesperada notícia perguntei sobre a causa e ela me explicou que foi um novo
AVC, já que ele tivera outro há alguns anos. Estava o seu Francisco indo para a
padaria, quando, no meio do caminho, sem nenhum aviso prévio, caiu no meio do
passeio público. Chamaram o socorro, mas não havia mais nada o que fazer. Seu
Francisco, ou Chico, morreu na contramão atrapalhando o tráfego, como diria a
canção do outro Chico, que recebeu o prêmio Camões de literatura.
Seu Francisco
morava em Ribeirão Pires e foi, a mim indicado, por um amigo de lá, o músico
David Filho. Com seu jeito simples, ele fez um orçamento que chegou a me
espantar, por ser bem mais baixo do que eu já havia visto, que cheguei a ficar em
dúvida se ele faria mesmo um bom serviço. Demorou mais do que o previsto, mas o
serviço ficou bom e achei conveniente reajustar o valor orçado.
Francisco
nasceu na Bahia, perto da famosa cachoeira de Paulo Afonso e me contava
orgulhoso que vivera sua infância pelejando por aquelas bandas. “Aquilo era um
mundo só...”, dizia orgulhoso. Quando as coisas melhoraram, comprou um
terreninho às margens do “Velho Chico”, onde construiu um rancho de pesca. E
era para lá que ele ia todos os anos nas férias.
Aprendeu o
ofício em um banco, onde entrou como ajudante de marcenaria. Com muito
esforço foi aprendendo a profissão, mesmo limitado pela pouca instrução. Logo
descobriu, fazendo um bico aqui e ali, que ganharia mais trabalhando por conta.
E assim foi construindo telhados, instalando portas e, às vezes, um armário
mais simples, foi sobrevivendo, mesmo depois do primeiro AVC.
Seu sonho era
montar uma boa oficina em casa para fazer trabalhos mais complicados como
móveis. Mas sempre faltava alguma coisa. Ora uma máquina, ora tempo. “Mas uma
hora eu vou ter a minha oficininha..., dizia ele”.
Indiquei o seu
Chico para amigos e parentes, sem nenhuma reclamação, a não ser por demorar um
pouco acima do previsto. Como não cobrava caro, sempre foi chamado para novos
trabalhos. Um amigo, Orlando Marcus Mancini, precisou refazer o telhado de sua
casa e contratou o Chico por minha indicação. Tinha dado tudo certo: preço
razoável e boa qualidade do serviço. Estaria tudo certo se não fossem as 400
telhas que ele orçou a mais, criando um transtorno para o meu amigo se desfazer
do estoque exagerado para eventuais quebras. Quando orçou o serviço eu estava
presente e até o ajudei a segurar a trena para as medidas. Ao ser inquerido
sobre a sobra de telhas, ele tentou escapar dizendo que a culpa fora minha, que
não segurei a trena corretamente.
Sempre me
lembro do seu Chico quando subo a escada de madeira ou quando pego um livro na
estante. Tem muito dele aqui em casa e isso me faz pensar sobre a importância
do trabalho dos velhos artesãos, que constroem objetos, casas e coisas e deixam
para a posteridade. Quase nunca são lembrados. Quando admiramos os grandes
ícones da arquitetura, como a recentemente incendiada Catedral de Notre Dame ou
então o Arco do Triunfo, também em Paris, com os nomes de centenas soldados
mortos, não vemos os nomes daqueles que o construíram. Os nomes dos
operários que se esmeraram dia e noite para construir o monumento, onde
estarão? Talvez em pequenas manchas de suor ou de sangue entre tijolos. Nada
mais.
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