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CARMEN MIRANDA

Na minha infância ainda se ouvia falar sobre a grande cantora Carmem Miranda, cujas canções que interpretou fizeram história e ficaram no imaginário do povo. Minha mãe sabia algumas que ela cantava e um irmão dela, que morava no Rio, garantiu que a via sempre por lá e assistiu vários shows que fazia ainda no começo da carreira. Como ainda era muito criança, pouca coisa me lembro sobre ela e a mais marcante era uma revista “O Cruzeiro” que havia em casa sobre o seu funeral, que minha mãe guardou por muitos anos. Foi um grande acontecimento que marcou a cidade maravilhosa. E agora, depois de tanto tempo, resolvi enfrentar a magnifica biografia de mais de 400 páginas sobre essa mulher espantosa, escrita por Ruy Castro, um competente biógrafo. Ouvindo os mais velhos, me lembro das conversas sobre o fato dela ter se americanizado, perdendo a sua brasilidade. Falavam como se ela houvesse traído o seu povo. Nada mais falso. Para começar essa mulher magistral, apesar do pequeno tamanho, nasceu mesmo numa aldeia ao norte de Portugal e com pouco mais de 1 ano atravessou o Atlântico no colo de sua mãe para fazer a vida no Brasil. Seu pai, um humilde barbeiro, fazia das tripas coração para sustentar a grande família lusitana com seus parcos ganhos, o que obrigou a esposa e abrir uma pensão na própria casa, servindo almoços e jantares. Carmen, na verdade Maria do Carmo, pois o apelido que a acompanhou pelo resto da vida fora dado por seu tio que se inspirou na ópera Carmen de Bizet. Pele morena, olhos verdes, sorriso encantador e carismático, hipnotizava a todos que a viam. Como cantava afinada e com muita bossa, não demorou que a descobrissem, iniciando sua carreira de cantora nas rádios, um veículo de comunicação ainda incipiente nos anos 1920. No Rio existiam no máximo uns 35 mil vitrolas e um disco que alcançasse a vendagem de 10 mil, era considerado um sucesso fantástico. Quando gravou Taí (Eu fiz tudo para você gostar de mim) do Joubert de Carvalho, fez o Brasil inteiro cantar a marchinha. Seu sucesso rompeu fronteiras, inicialmente na Argentina, onde quase todos os anos fazia por lá uma turnê, ganhando grandes aplausos entre os portenhos. Depois foi contratada pelo empresário germano americano chamado Schubert para uma temporada nos EUA, mesmo sem falar uma palavra em inglês. Essa estreia nada tinha a ver com a política de boa vizinhança promovida pelos EUA para evitar que os países da América aderissem ao nazismo alemão, pois estreou na Broadway bem antes do país entrar na guerra. A partir daí, sim, o governo americano estimulou o estreitamento das relações com os países da América Latina, investindo nas economias e na cultura, principalmente em filmes enalteciam esses países. O personagem da Disney, Zé Carioca, é fruto dessa política, mostrando o jeito matreiro e simpático do brasileiro para o mundo. Apesar do sucesso nos EUA, Carmen era massacrada em alguns órgãos de imprensa no Brasil, que a criticavam por estar ficando velha, por ter se deixado seduzir por Hollywood, cantando músicas americanas e de outras origens. Era voz corrente que Carmen era amante do presidente Getúlio Vargas antes de ir para os EUA, coisa que nunca aconteceu. Carmen recebia essas críticas através dos amigos brasileiros que a visitavam. Ficava magoada pela injustiça, mas o sucesso e o fato de ser a mulher mais bem paga dos EUA, não chegavam a abalá-la. Mas a pequena notável, como era chamada, não era feliz e desejava mesmo se casar e ter filhos. Em seu meio todos se divorciavam e seus namorados entre os grandes galãs de Hollywood, como John Wayne, não estavam interessados em casamentos duradouros. Por fim ela se casa com um pobretão e medíocre, cujo único objetivo era usar e abusar do seu dinheiro. No final, torna-se alcoólatra, fumante e intensifica o uso de anfetaminas, que passou a usar bem antes, para suportar o grande número de compromissos agendados por seus empresários A anfetamina em sua época era uma droga pouco pesquisada e não se levava a sério os seus riscos para a saúde. A associação da droga com o álcool parecer ter se tornado uma bomba relógio prestes a explodir, o que acontece em 1954, quando seu coração entra em colapso. Carmen retorna ao seu amado Brasil, não como gostaria, mas em um caixão e é recebida pelo povo que a amou, como a grande heroína que conquistou a América.

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