Meu pai fumava um cigarro por dia, normalmente à noite depois do jantar. Nos fins de semana abria uma exceção e fumava também no almoço. Seu maço de Mistura Fina, considerado um quebra-peito ou fumo forte, durava até duas semanas. Mas um dia sentiu uma leve tontura depois de uma tragada e nunca mais fumou. Minha mãe fumava, mas às escondidas para não dar mau exemplo para os filhos. Mas depois que os filhos ficaram adultos, ficou livre do moralismo e passou a consumir um maço por dia.
A cultura do cigarro era tão forte que uma atividade da garotada na minha época, era colecionar as embalagens de cigarros em que as marcas mais comuns eram trocadas por outras mais difíceis. Continental, Hollywood, Lincoln, Mistura Fina eram marcas fáceis e desprezíveis e só iniciantes se davam ao trabalho de pegar uma na rua. Um Pulmann valia dois Hollywoods. Um “Mescla Dourado” tinha um bom valor de troca, pois era mais raro. Marcas estrangeiras então, nem se fala, quem tinha uma conseguia até vendê-las por uns trocados. Nas ruas ficávamos de olho nas embalagens jogadas pelo chão. Eu sempre ia comprar os cigarros para o meu pai e um dia resolvi comprar outra marca para ficar com a embalagem. Mas ele não gostou da ideia e mandou que eu fosse trocar. Que vexame!
Na minha infância todos os homens adultos fumavam. Quando havia visitas em casa, o que era muito comum, a fumaça embaçava a visão. Era normal fumar nos coletivos e no trabalho. Tive até uma professora que fumava durante as aulas. Na adolescência comecei a tentar fumar com um amigo vizinho que estudava no mesmo colégio, o Bogdan Warzocha, um polonês que me incentivou, sem muito sucesso, ao tabagismo. Em verdade eu raramente tragava. Me satisfazia em sugar a fumaça e soltá-la em seguida, pois tragar me deixava tonto. Mesmo assim comprava cigarros para posar de adulto nas festinhas ou com as paqueras.
Até então acreditava que fumar era mostra de virilidade e absolutamente normal para os homens e para as mulheres algo não muito recomendável, por isso não gostava que minha mãe fumasse. Entretanto, essa visão durou até que um novo amigo, o Tomás Padovani, um ex-seminarista e não fumante me mostrou um poema do Silva Jardim que criticava com veemência o hábito. Lembro-me vagamente do poema e um dos versos dizia: “Tabagista inveterado, tal como chaminé ambulante...”. O poema me impressionou e decidimos publicar no jornalzinho que editávamos no ginásio, o H...Zetinha, cujo nome foi ideia do Tomás. O jornalzinho durou apenas dois ou três números e foi proibido pela direção, apesar de nãos ter nenhum conteúdo político. De todo modo, nos sentimos como heróis por termos salvado muitos jovens de aderirem ao vício.
Mesmo assim, algumas vezes ainda usava o cigarro como muleta para disfarçar a timidez, mas ainda sem tragar, até que no meu primeiro emprego, ainda menor de idade, meu chefe me convenceu sobre os riscos do cigarro e abandonei o tabagismo desde então. Foi então que conheci a Celia, uma tabagista convicta. O amor superou essa barreira, mas estabelecemos alguns limites. Não era permitido fumar no quarto ou no carro. O vício dela durou até o dia que ela resolveu fazer aulas de dança e percebeu que não tinha folego. A professora perguntou se ela fumava e ao confirmar, lhe aconselhou a fumar menos ou parar. Bingo! Uma vitória contra o tabagismo.
Sempre pensei que largar o vício era algo fácil, bastando força de vontade, o que nem sempre as pessoas têm. Um amigo ex-fumante dizia que parar era moleza, pois ele já havia parado umas dez vezes. Numa ocasião, viajando com um grupo de amigos para Minas Gerais no meu carro, senti o problema do vício. Fomos fazer uma pescaria no Rio São Francisco e depois do asfalto a estrada era horrível e por isso levamos tudo o que precisávamos para não ter que voltar à cidade. Porém, dois tabagistas, Gideão Sanches e Geraldo Magela, esqueceram de comprar os cigarros e queriam voltar. Não concordei dadas as condições da estrada. Eles ficaram tão furiosos que para evitar problemas maiores emprestei, muito a contragosto, o meu carrinho quase zero.
Já sem condições de morar sozinha, minha mãe acabou indo para uma casa de repouso, mas continuou fumando. Toda semana eu lhe levava um pacote de cigarros, tipo longo com filtro. Onde já se viu alimentar o vício de uma velhinha! Diziam as pessoas. Mas seguia a orientação de um amigo médico, Dr. Jorge Moscardi, que recomendava “Deixe a velhinha fumar. Se parar ela vai ficar triste e vai viver menos”. No final ela parou porque percebeu que as enfermeiras surrupiavam os seus cigarros e declarou: “Não vou mais fumar e nem sustentar o vício dos outros”. Mas no fim, morreu de enfisema pulmonar em consequência do vício.
Você conhece alguma Flora? Eu conheci uma, mas não tenho boas lembranças. Ela morava no interior de São Paulo, na pequena Lavínia, minha terra natal. Era a costureira da minha prima e madrinha. Eu ainda era muito criança, mas ainda tenho uma visão clara de sua casa isolada, que ficava no final de uma estrada de terra, ao lado de um velho jequitibá. Era uma construção quadrada, pintada de amarelo e com muitas janelas. Pela minha memória, que pode ser falha, não me lembro de flores em seu quintal. Será que a Dona Flora não gostava de flores? Fui algumas vezes lá com a minha prima, para fazer algumas roupas, numa época em que passei alguns meses em sua companhia. Dona Flora era uma mulher madura e muito séria, que me espetava com o alfinete sempre que fazia a prova das roupas que costurava para mim. Foram poucas vezes, mas o suficiente para deixar uma lembrança amarga da costureira e do seu nome. Mas hoje Flora me lembra a primavera que está chegando e esbanjando cores apesar da chuva
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