O retorno, sempre indesejável das ideias nazistas ou fascistas, é sempre um motivo de preocupação, principalmente para aqueles sintonizados com os destinos da humanidade e defendem a liberdade de pensamento ou de credo. Acabo de ler a edição mais recente, de 2009, presenteada por um amigo. O livro é baseado no diário de um cidadão alemão de origem judaica que viveu a tragédia do III Reich. Klemperer era filho de um Rabino, mas converteu-se ao Luteranismo, mesmo sendo agnóstico, pois desejava ser um alemão como qualquer um e por fim, casa-se com uma pianista alemã, não judia.
O autor era um professor universitário livre-docente em Filologia e também especialista em literatura francesa. Sua vida começa a mudar a partir da tomada do poder por Adolf Hitler em 1934 que se proclama chanceler e presidente da Alemanha, o Fuher. Em 1935 Klemperer é destituído do seu cargo na universidade no processo de “purificação nazista”. A partir daí, Klemperer passa a trabalhar como simples operário, tal qual outros judeus comerciantes, industriais ou intelectuais. Proibido de acessar a biblioteca, lê as escondidas graças a sua mulher que não é judia. Como filólogo, o autor começa a escrever seu diário que vai servir de base para esse livro. No diário vai registrando as palavras usadas pelo regime nazista, analisando os discursos de Hitler ou os artigos de Goebbels, o ministro da Propaganda do estado alemão. A sobrevivência dele se deve obviamente ao fato de ser casado com uma alemã e, também, por ter abandonado a crença dos seus pais, caso contrário teria ido para um campo de concentração.
Observe-se que, para os nazistas, o ódio aos judeus não é simplesmente pela sua crença. Acreditavam numa herança de sangue, uma “contaminação”. O bolchevismo é o grande inimigo dos nazistas, pois o associam ao autor de “O Capital”, Karl Marx, de origem judaica. Ocorre aí um processo de racialização da crença. Numa das passagens ele comenta sobre a sobrevivência do cristianismo no ambiente nazista. É evidente que o III Reich apenas tolerava a fé cristã, pois seu verdadeiro deus era o próprio Hitler e o livro sagrado era o “Mein Kampf” ou Minha Luta. Além disso, procuram dissociar o cristianismo do judaísmo, considerando que Jesus apenas nasceu no ventre de uma judia por obra do Espírito santo, não sendo, portanto, para eles um verdadeiro judeu. Uma das aspirações do nazismo era que uma religião substituísse o cristianismo semita e não heróico.
A técnica usada e abusada pelos nazistas através do seu grande ideólogo, ´Goebbels é a mentira, sempre reiterada por meio de expressões que ressaltam o “sucesso” do Reich. “Quando o número de empregos sobe em razão das colheitas, isso é ressaltado como ser fosse uma ação do estado, reduzindo o desemprego”. Os discursos são sempre dirigidos aos sentimentos e nunca ao intelecto para torná-lo mais popular. Há sempre a rejeição da cultura de forma abrangente, sempre enaltecendo os valores originais dos povos germânicos. O nazismo é visto por Klemperer como uma doença tipicamente alemã e o fascismo italiano contaminado por esse vírus bestial, mas também criminoso. Na linguagem do Terceiro Reich, o foco principal é valorizar de forma fanática, conceitos como valentia, dedicação, abnegação, tenacidade ou um enunciado global associando todas essas virtudes.
Klemperer vê a origem do nazismo no romantismo estreito, limitado, o pervertiudo ou o romantismo kitsch ou brega na linguagem atual. Tanto Hitler como seus seguidores, odiavam o intelectualismo, a cultura universal. Viam o mundo de forma estreita a partir das origens tribais dos germanos.
No cotidiano da vida alemã observado por Klemperer, Hitler é endeusado, infalível. Quando as coisas não davam certo, acreditava-se que a culpa era dos outros não dele. Ele não podia ser derrotado. Ich glaube na den Furher (eu acredito no Furher). Essa linguagem de fé, se aproxima do cristianismo, mesmo que o nazismo combatesse o catolicismo. O Terceiro Reich seria eterno, o final dos tempos, não haveria o IV Reich.
Enfim, para o autor, Hitler via as massas como ignaras, sem capacidade de entender seus discursos, mas ao mesmo tempo era assim que tanto ele como Goebbels desejavam, pois eram mais facilmente manipuladas com as constantes mentiras veiculadas nos meios de comunicação. A Alemanha, mesmo no final da guerra, quando era evidente o fracasso, os discursos exaltavam a força alemã e a capacidade insuperável do seu líder, quase um mito.
Você conhece alguma Flora? Eu conheci uma, mas não tenho boas lembranças. Ela morava no interior de São Paulo, na pequena Lavínia, minha terra natal. Era a costureira da minha prima e madrinha. Eu ainda era muito criança, mas ainda tenho uma visão clara de sua casa isolada, que ficava no final de uma estrada de terra, ao lado de um velho jequitibá. Era uma construção quadrada, pintada de amarelo e com muitas janelas. Pela minha memória, que pode ser falha, não me lembro de flores em seu quintal. Será que a Dona Flora não gostava de flores? Fui algumas vezes lá com a minha prima, para fazer algumas roupas, numa época em que passei alguns meses em sua companhia. Dona Flora era uma mulher madura e muito séria, que me espetava com o alfinete sempre que fazia a prova das roupas que costurava para mim. Foram poucas vezes, mas o suficiente para deixar uma lembrança amarga da costureira e do seu nome. Mas hoje Flora me lembra a primavera que está chegando e esbanjando cores apesar da chuva
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