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MEU TIO CARIOCA

Meu tio Elisário foi para o Rio de Janeiro em meados de 1928 para estudar e trabalhar. Lá se hospedou na casa de um médico, parente de sua mãe, chamado Ajax Rabello. Era o meu tio carioca, como todos que no Rio moravam, tinham direito a alcunha, não importando a origem, como o pernambucano Nelson Rodrigues, a portuguesa Carmem Miranda ou o livreiro francês Baptiste-Louis Garnier. Mesmo antes de concluir o curso de guarda-livros, nome que antigamente se dava aos contadores, ele já estava trabalhando em um banco, fazendo escriturações contábeis com sua letra pequena e caprichada. No Rio ele vivenciou a grande crise de econômica de 1929, mas não chegou a perder o emprego. Contava em cartas para os pais que moravam em Araçatuba, interior de São Paulo, as novidades da capital federal. Citava que o presidente da República ia ao banco sem nenhum aparato de segurança, como um cliente comum. Outras vezes o via tomando um carro para ir a algum compromisso sem nenhum aparato, difícil de imaginar hoje. Numa de suas cartas comentou sobre a Revolução de 1930, que na época não chegou a provocar grandes transtornos na cidade com a chegada do gaúcho Getúlio Vargas, que destituiu o Washington Luiz dois meses antes do final do mandato. Getúlio assumiu o governo com o apoio dos militares, mesmo tendo sido derrotado pelo paulista Júlio Prestes nas eleições de outubro de 1930. Pelo acordo entre São Paulo e Minas Gerais, seria a vez de um mineiro ser o candidato, mas Washington Luiz, um paulista de Macaé, uma alusão a sua cidade natal no Rio, indicou o presidente da Provincia de São Paulo como candidato. Essa decisão dividiu o país e culminou com o golpe de Getúlio. Mas com Getúlio assumindo com poderes ditatoriais, nomeando como interventor federal em São Paulo o militar pernambucano, João Alberto, provocou a revolta dos paulistas que se sentiram humilhados pela perda de autonomia no novo governo. Com o apoio de alguns estados, São Paulo se arma para lutar contra o governo Vargas, iniciando a Revolução Constitucionalista de 1932. Meu tio com pouco mais de 20 anos, foi então convocado pelas forças federais, lutando contra São Paulo nas fronteiras com Minas Gerais. Terminada a guerra civil e sem emprego, viaja para São Paulo para visitar os pais em Araçatuba. Fica por lá algum tempo e começam a aparecer os traumas provocados pela guerra. Acordava no meio da noite assustado com os tiros de canhão que ouvia nos seus pesadelos e saia gritando pelas ruas. Depois de algum tempo começa sua vida de viajante. Enviava fotografias para a família de vários lugares que passava. Ora elegante, ora maltrapilho, dependendo das suas condições de vida. Foi para o sul do país, onde morou em Santa Catarina e Rio Grande do Sul e depois Uruguai e Argentina. Na Argentina teve uma das costumeiras crises e foi hospitalizado. Como estava sem documentos, o consulado escreveu para a família avisando sobre as suas condições. As correspondências trocadas com o consulado até pouco tempo estavam em nossa casa, mas acabaram desaparecendo. Ele ainda nos visitou sua irmã caçula em São Caetano nos anos 1950 e depois disso desapareceu. Dele ficaram as cartas e as fotografias que ele enviava, algumas delas sobre o antigo Rio de Janeiro, mostrando paisagens da cidade maravilhosa como a Estrada da Gavea, os Arcos de Santa Tereza, o Catette (ainda com dois tês”). Cantou com minha mãe alguns sucessos que ouviu no Rio de Janeiro na voz da Carmem Miranda e de outros artistas. De “Papo pro ar”, do Joubert de Carvalho minha mãe aprendeu com ele.

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