Quando Euclides da Cunha publicou seu livro mais famoso, Os Sertões, baseado na sua experiência como repórter do Estadão na cobertura da Guerra de Canudos, a “hierarquia das raças” era dominante na sociedade brasileira e no mundo ocidental, incluindo o meio acadêmico. No século XIX as teorias de Arthur Gobineau sobre a superioridade dos brancos era consagrada e D. Pedro II foi seu admirador e correspondente. Tinha-se como consagrado, que os povos europeus haviam conquistado a América e a África pela sua superioridade racial, fazendo jus a escravização dos povos nativos.
Em Os Sertões, Euclides da Cunha, um engenheiro militar culto se esmerou em expor as teorias racistas que conhecia, em boa parte do livro, no capítulo em que descreve as populações do Nordeste. Atualmente muito se fala em Monteiro Lobato pelas inferências racistas em sua obra, principalmente na literatura infanto-juvenil. Por isso, já houve até propostas de censurá-la ou reescrevê-la, retirando passagem que indicam posições racistas do autor. Entretanto, sobre Euclides da Cunha pouco se fala e mais em artigos acadêmicos o tema é discutido, pois a obra do autor é bastante árida, com estilo bastante rebuscado, repleto de neologismos, expressões raras e muitas regionais. Por essa razão, poucos o leram de fato, apesar de muito citado.
Como são raros os leitores da obra, exceção feita a críticos literários e outros estudiosos com interesses históricos, sociológicos e antropológicos, é natural que a obra não tem sido criticada nos últimos anos com a veemência com que o autor do Sitio do Pica Pau amarelo é atacado. Euclides, ao contrário do Lobato, tenta dar lastros de científicas, às suas afirmações, como num trecho em que afirma: “A mistura de raças mui diversas é, na maioria dos casos, prejudicial. Ante as conclusões do evolucionismo, ainda quanto reaja sobre o produto o influxo de uma raça superior, despontam vivíssimos estigmas da inferior”. (p.87, 88).
Em outro ponto, ele destaca que o mestiço, resultado da mistura da raça branca superior com raças inferiores, gera quase sempre desequilibrados. Para ele, o mestiço, mulato, mameluco ou cafuz – menos que um intermediário, é um decaído, que não herdou a energia física dos selvagens e nem a altitude intelectual dos ancestrais superiores (branco). Está, também, em Os Sertões, a visão de que os mestiços procuram, em atitude de defesa, buscar o branqueamento, ideia que é atribuída ao antropólogo Gilberto Freyre, autor do clássico Casa Grande e Senzala. Para dar suporte as suas teorias racistas, Euclides da Cunha cita Gratz, quando afirma que o elemento étnico forte tende subordinar ao seu destino, o elemento mais fraco diante do qual se encontra. E o autor finaliza: “... a raça forte não destrói a fraca pelas armas, esmaga-a pela civilização”. Enfim, Euclides da Cunha conclui que o resultado da mestiçagem é um ser retrógrado, retardatário a quem muito falta para atingir o grau civilizatório da raça considerada superior.
A frase muito famosa e citada de Euclides da Cunha, “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”, traz um elogio, mas em seguida ele continua: “...Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral”. Como nunca se cita a frase completa, tudo indica que é por constrangimento ou então por pura ignorância, usando a expressão de segunda ou terceira mão.
A despeito do conteúdo racista da obra, a leitura, longe de ser inútil, é uma forma interessante de mergulho no passado recente do país, mostrando como um agrupamento de homens e mulheres miseráveis, são guiados por uma mente fanática e paranoica e são capazes de resistir a várias incursões militares para a destruição de Canudos. O poder com que Antônio Conselheiro liderava seus seguidores, tinha no primitivismo religioso, complementado pela miséria e a falta de perspectiva, a sua força impulsionadora.
Num dia desses visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...
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