Chico Buarque de Hollanda é uma unanimidade nacional e é por isso mesmo que o seu último romance, Leite Derramado, alcançou um sucesso de vendas que poucos escritores, alguns até mais consagrados pelo público e pela crítica, conseguem. É um livro bem editado, com duas opções de capa e é para ninguém botar defeito. A leitura não é das mais fáceis, pois Chico não é um escritor de textos previsíveis, com começo, meio e fim. O personagem Eulalio d´Assumpção começa a sua história em cima de uma maca se dirigindo a enfermeira que o atende num hospital público, onde as pessoas ficam largadas nos corredores, retratando a real situação da saúde brasileira.
Um velho senil que se perde entre o passado e o presente confunde personagens da história, fatos e lugares. Com cem anos de idade, Eulálio ainda conserva o orgulho de pertencer a um tradicional tronco de famílias brasileiras. Seu bisavô teria chegado com a família real portuguesa. Na sua árvore genealógica figurariam grandes fortunas do império que teriam transitado pelos corredores do poder até a República Velha.
O velhinho, apesar de arruinado, sem plano de saúde e morando em um quarto de favor em uma favela não se dá por vencido e ainda brada sua origem pelas repartições, tentando retornar o tempo perdido ou o leite derramado. Ninguém dá mais importância às tradições de famílias, principalmente para aquelas que não tem mais dinheiro. Às vezes, o personagem se torna um tanto inverossímil, com um raciocínio lógico e coerente, pois tenho a impressão de que a senilidade, pelos casos que conheço, dá pouco espaço para a lucidez. Mas o Chico consegue levar a história até o seu final com os devaneios do Eulálio.
Chico Buarque retrata de forma bastante cáustica e irônica a decadência das grandes famílias e tenho a impressão de que ele ironiza a si mesmo. Todos sabem que os Buarque de Hollanda vem de uma antiga linhagem pernambucana, que remonta aos invasores holandeses e senadores do império. Os Gonçalves Moreira, de sua avó paterna também vem de uma linhagem que envolve tradicionais famílias mineiras e ramos paulistas. A família de sua mãe, também não fica atrás, com os Cesário Alvin, uma antiga família mineira que controlou o poder político no estado. É possível que o Chico tenha ouvido durante a sua infância as velhas histórias dos seus antepassados, com suas glórias, tradições, poder, dinheiro e escravos.
Não acredito que a obra foi influenciada por Raízes do Brasil, publicada por seu pai em 1937, como afirmaram alguns críticos. O livro de Sérgio Buarque é um trabalho teórico, influenciado pela sociologia compreensiva de Max Weber, sociólogo alemão, cuja obra ele conheceu na sua estada na Alemanha no final dos anos 30. O livro do Chico, por seu turno, retrata o apego das velhas famílias aos valores tradicionais que tentam viver do passado e da pureza inexistente da “raça”, ignorando as mulheres índias e negras que ajudaram a compor a sua genealogia. A saga da família Assumpção acompanha a história do Brasil nos séculos XIX e XX, sendo neste último a decadência. Pessimista, o autor não somente empobreceu o personagem, como transformou os seus descendentes em marginais na sociedade moderna. De grandes importadores de armas, proprietários de terras e políticos influentes, foram parar na favela da Rocinha, vivendo do tráfico de cocaína. Alguma coisa no livro me lembra os Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Márquez, que também retrata a saga da família Buendia na Colômbia.
A saga dos Assumpção ou o Leite Derramado reflete uma visão pessimista em relação ao futuro pelo autor, prevendo uma sociedade cada vez mais decadente e corrupta, com antigos valores conflitando com o crime organizado e a necessidade de sobrevivência. Dos casarões para a favela em três gerações e um desfecho pouco provável para uma família tradicional brasileira que na pior das hipóteses vai morar em apartamentos de classe media de Copacabana. Mas isso não altera a qualidade do romance. O Chico já não é apenas samba, mas um escritor de talento e daqui para frente os seus fãs irão vê-lo mais nas estantes das livrarias do que nas lojas de discos.
Um velho senil que se perde entre o passado e o presente confunde personagens da história, fatos e lugares. Com cem anos de idade, Eulálio ainda conserva o orgulho de pertencer a um tradicional tronco de famílias brasileiras. Seu bisavô teria chegado com a família real portuguesa. Na sua árvore genealógica figurariam grandes fortunas do império que teriam transitado pelos corredores do poder até a República Velha.
O velhinho, apesar de arruinado, sem plano de saúde e morando em um quarto de favor em uma favela não se dá por vencido e ainda brada sua origem pelas repartições, tentando retornar o tempo perdido ou o leite derramado. Ninguém dá mais importância às tradições de famílias, principalmente para aquelas que não tem mais dinheiro. Às vezes, o personagem se torna um tanto inverossímil, com um raciocínio lógico e coerente, pois tenho a impressão de que a senilidade, pelos casos que conheço, dá pouco espaço para a lucidez. Mas o Chico consegue levar a história até o seu final com os devaneios do Eulálio.
Chico Buarque retrata de forma bastante cáustica e irônica a decadência das grandes famílias e tenho a impressão de que ele ironiza a si mesmo. Todos sabem que os Buarque de Hollanda vem de uma antiga linhagem pernambucana, que remonta aos invasores holandeses e senadores do império. Os Gonçalves Moreira, de sua avó paterna também vem de uma linhagem que envolve tradicionais famílias mineiras e ramos paulistas. A família de sua mãe, também não fica atrás, com os Cesário Alvin, uma antiga família mineira que controlou o poder político no estado. É possível que o Chico tenha ouvido durante a sua infância as velhas histórias dos seus antepassados, com suas glórias, tradições, poder, dinheiro e escravos.
Não acredito que a obra foi influenciada por Raízes do Brasil, publicada por seu pai em 1937, como afirmaram alguns críticos. O livro de Sérgio Buarque é um trabalho teórico, influenciado pela sociologia compreensiva de Max Weber, sociólogo alemão, cuja obra ele conheceu na sua estada na Alemanha no final dos anos 30. O livro do Chico, por seu turno, retrata o apego das velhas famílias aos valores tradicionais que tentam viver do passado e da pureza inexistente da “raça”, ignorando as mulheres índias e negras que ajudaram a compor a sua genealogia. A saga da família Assumpção acompanha a história do Brasil nos séculos XIX e XX, sendo neste último a decadência. Pessimista, o autor não somente empobreceu o personagem, como transformou os seus descendentes em marginais na sociedade moderna. De grandes importadores de armas, proprietários de terras e políticos influentes, foram parar na favela da Rocinha, vivendo do tráfico de cocaína. Alguma coisa no livro me lembra os Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Márquez, que também retrata a saga da família Buendia na Colômbia.
A saga dos Assumpção ou o Leite Derramado reflete uma visão pessimista em relação ao futuro pelo autor, prevendo uma sociedade cada vez mais decadente e corrupta, com antigos valores conflitando com o crime organizado e a necessidade de sobrevivência. Dos casarões para a favela em três gerações e um desfecho pouco provável para uma família tradicional brasileira que na pior das hipóteses vai morar em apartamentos de classe media de Copacabana. Mas isso não altera a qualidade do romance. O Chico já não é apenas samba, mas um escritor de talento e daqui para frente os seus fãs irão vê-lo mais nas estantes das livrarias do que nas lojas de discos.
renato se vc esta afirmando que é bom é porque é bom mesmo,eu nunca consegui gostar dos livros do chico, a começar por fazenda modelo, budapeste então esta aqui mofando...e agora virou filme, mas vou tentar ler este leite derramado, o resumo que vc fez é bem chamativo...mas as musicas do chico, estas sim sou fã de carteirinha!
ResponderExcluirEspero que você realmente goste do livro. Realmente a Fazenda Modelo foi uma obra menor, mas acredito que o Chico romancista vem evoluindo e precisamos dar um crédito ao seu talento.
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