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O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO

Como se sabe, Jesus, tal como Sócrates, não deixou nada escrito e os Evangelhos que estão no Novo Testamento da Bíblia foram escritor posteriormente por: Mateus, Lucas, Marcos e João. Como existe um hiato da vida de Cristo dos doze aos trinta anos, o romancista e poeta português utiliza o romance para suprir essa lacuna. O romance considerado uma obra prima da literatura portuguesa, foi objeto de muitas críticas, principalmente, por parte da Igreja Católica, pois vários dogmas são colocados em xeque na obra. Mas como se trata de uma obra de ficção e em nenhum momento o tema é tratado com desrespeito, as críticas poderiam ser mais suaves. Saramago atua no romance como um narrador moderno a partir da observação de uma pintura e que se transporta para mais de dois mil anos, acompanhando Jesus desde a concepção até a sua morte. Apesar de ser um ateu confesso, o escritor mantém na narrativa alguns elementos sobrenaturais narrados na Bíblia, mas humaniza os pais de Jesus, colocando-os como um simples casal de Nazaré. José, um rude carpinteiro, que labuta diariamente na sua profissão e Maria, uma esposa jovem e submissa, cuida da casa e da alimentação da família. Na ficção, é um casal como outro qualquer de sua época, ou seja, hebreus que cumprem fielmente os rituais da religião, trabalham e têm vida social e sexual. O dogma da virgindade de Maria não é seguido pelo escritor, mas ele mantém a intervenção divina na concepção de Jesus. É bom citar que a virgindade de Maria não é um tema consensual entre todas as igrejas cristãs, já que existem relatos sobre possíveis irmãos de Jesus. Como nos evangelhos não há nenhuma menção ao período dos doze aos trinta anos da vida de Cristo, Saramago completa por conta e risco de sua imaginação criadora esse período, acrescentando fatos e histórias, como o encontro com Maria de Magdala ou Maria Madalena, colocando-a como amante de Jesus, que a encontra nos seus dezoito anos, depois de passar cerca de quatro anos como pastor de ovelhas. Madalena seria uma prostituta que vivia em Magdala que conhece Jesus quando ele bate à sua porta pedindo ajuda para um ferimento no pé. Ela cuida da sua ferida, o alimenta e o acolhe em seu leito. Bem interessante são as descrições dos usos e costumes da época, que foram objeto de pesquisa pelo autor. Os rituais de sacrifício de animais no tempo de Jerusalém, a vida extremante rude e simples dos camponeses e a opressão sofrida por eles sob o jugo romano com a cumplicidade da elite judaica. O clímax do romance é o encontro de Jesus com Deus de forma presencial, onde depois aparece a figura de Lúcifer que mais ouve do que fala. Nesse encontro na obra de ficção, Jesus discute abertamente com Deus as razões pelas quais ele deverá ser martirizado e morrer crucificado. Jesus como um jovem um tanto rebelde, não aceita, mas por fim, acaba por concordar com o Pai. Enfim, é um belo romance do Saramago, o primeiro e único escritor de língua portuguesa a ser agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura. Para quem nunca leu Saramago, há que se estranhar a ausência de pontuação e parágrafos muito longos, mas nada que comprometa a leitura. Como se trata de uma ficção, dever ser lido como tal, sem viés religioso ou ideológico.

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