Pular para o conteúdo principal

BEBEDOS E BEBEDEIRAS


Beber, como dizia o grande cronista da noite carioca, Antonio Maria, é sempre um mistério, uma sabedoria, que nos leva aos copos e ao estado de graça. Não faço aqui a apologia da bebida, mas existem momentos em que ela é absolutamente necessária e caso se consiga aprecia-la moderadamente, pode ser um santo remédio para as dores da alma. Algumas bebedeiras são motivos de grandes arrependimentos pelas bobagens que se faz, pelas palavras mal pronunciadas que ofende pessoas, destrói amizades ou grandes amores. Outras são motivos de grandes gargalhadas, mesmo depois de passados muitos anos. Algumas são motivos de orgulho, principalmente pelo bêbedo ter falado, num discurso improvisado, alguma coisa que todos gostariam de dizer, mas sempre faltou a coragem que a bebida, às vezes dá, desde que a mente ainda esteja suficientemente lúcida.
Algumas bebedeiras são ontológicas e poderiam ser premiadas pela academia nacional da bebedeira (ANB) pela contribuição sociológica, política, filosófica ou cultural. A embriagues apresenta efeitos variados, dependendo das pessoas. Alguns se tornam agressivos, ofendem amigos e familiares. Outros ficam alegres e tolos repetindo continuamente a mesma frase ou o mesmo assunto. Há também aqueles que ficam quietos e deprimidos. Cada um tem o seu estilo de bebedeira, mas via de regra o dia seguinte é terrível, principalmente pelas críticas da mulher, namorada ou de familiares que ficaram envergonhados com os vexames do dia anterior. Quem escreve já passou por essas, mas sou mais do estilo que ri o tempo todo ou então fico meio sorumbático.
Numa festa em minha casa, a altas horas da noite, resolvi abrir uma garrafa de champagne francês, presente de um cliente da empresa onde trabalhava. Ao abrir a garrafa, uma boa parte da bebida jorrou pela mesa; um sacrilégio. Ao lamentar com um amigo a triste perda, este, já bem alto, se propôs a lamber a mesa para evitar a perda total do produto. Um vexame que ele até hoje ruboriza só de lembrar.
Um outro amigo, num feriadão na aprazível Butiá, rodeado pelos amigos mais queridos, não teve dúvidas, tomou quase um garrafão de cachaça que alguém levou afirmando que era da melhor procedência. Ele quase entrou em coma alcoólica e se na época, tivéssemos um pouco mais de juízo, teríamos levado o japa para um pronto-socorro. Ele apagou, chegando a urinar nas calças, parado no meio do quintal. Felizmente, algumas horas depois o nosso declamador oficial dos poemas do Manuel Bandeira, acordou perguntando pela camisetinha de Tupã, onde ele venceu um campeonato de xadrez. Nesse mesmo feriado, um outro companheiro de boemia, subiu no alto de uma velha usina hidroelétrica desativada e começou a declamar Castro Alves, enquanto embaixo, todos clamavam para que descesse, pois o risco de uma queda era iminente. A gritaria da platéia era entendida pelo amigo alcoolizado como a sua consagração e ele se sentiu como se tivesse incorporado o espírito do poeta.
Essas bebedeiras esporádicas, apesar dos riscos, dificilmente chegam a comprometer, quando se está na companhia de amigos e familiares. Entretanto, quando elas ocorrem em outros ambientes, podem sim criar problemas. Um conhecido meu, entusiasmado com a dosagem etílica acima da média, numa festa de confraternização de fim de ano, resolveu dar um sonoro beijo na bochecha do gerente. Não é preciso dizer o que aconteceu depois. Numa festa de aniversário de uma outra empresa, após o discurso do presidente, um colega entusiasmado e ligeiramente alcoolizado, resolveu levantar um brinde a empresa, dizendo: “Vamos brindar o sucesso da melhor empresa do Brasil”. Houve um silêncio total para o azar do pobre Leonardo, um bom sujeito, que acabou pedindo demissão por não suportar mais as gozações.
Quando o hábito de beber se transforma numa dependência química, que segundo pesquisas atinge de 15 a 20% da população, as coisas se complicam. Foi com imensa tristeza que encontramos, numa padaria, um amigo de velhos tempos numa véspera de feriado bebendo cerveja, sozinho e desconsolado. Eu estava com minha mulher e ao nos ver ficou muito emocionado. Comentamos que estávamos indo para a casa de um amigo comum que havia combinado o encontro para assistirmos a final do festival de música popular da TV Cultura. Não deveria ter falado! Ele resolveu ir junto para fazer uma surpresa ao amigo. Como já estava bem alcoolizado achei melhor que fosse em nosso carro, pois assim não correria maiores riscos. No caminho percebi que estávamos prestes a criar um grande problema. Chegando ao local, começou o festival de vexames. Nosso anfitrião, felizmente, uma pessoa finíssima, encarou o desconforto de receber um alcoólatra mal educado e agressivo como parte dos perigos demais dessa vida. Mesmo assim, a certas horas da noite, ele foi obrigado a dar uma dura no bêbedo, que insistia em falar besteiras, sem se dar conta de que estava na casa de um amigo e na presença da filha desse. Insatisfeito com a cerveja, ele ainda saiu para procurar um bar para beber um uísque. Ficamos na expectativa de que ele aproveitasse a saída e fosse embora, deixando-nos em paz. Qual o quê! Ele retornou com mais um copo e continuou com sua ladainha de palavrões e ofensas indescritíveis.
Até hoje o meu amigo ainda joga suas farpas quando se lembra do episódio e prometeu que ainda irá à forra. “Você me paga por essa”, sempre diz brincando, mas sei que se não fosse pela nossa longa amizade os efeitos da inesperada e pouco desejada visita poderia ter desfechos bem menos agradáveis.

Comentários

  1. Lembro-me bem de cada uma dessas cenas na saudosa Butiá aqui descritas pelo amigo. E penso ser obra do além não ter nada grave acontecido com um dos nossos, coisa que parece hoje em dia não ser bem assim para com nossos jovens. Ando assustada com o número de jovens mortos ou mesmo mutilados no trânsito por conta das bebidas alcoólicas, tão drogas quanto outras drogas, apenas legalizadas. Geanete

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

JOSÉ DE ARRUDA PENTEADO, UM EDUCADOR

Num dia desses  visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...

A ROCA DE FIAR

Sempre que visitava antiquários, gostava de ficar observando as antigas rocas de fiar e imaginando que uma delas poderia ter sido de uma das minhas bisavós e até fiquei tentado a comprar uma para deixá-la como relíquia lá em casa. Por sorte, uma amiga de longa data, a Luci, ligou um dia desses avisando que tinha um presente para nós, que ficaria muito bem em nossa casa. Para minha surpresa, era uma roca de fiar, muito antiga, que ela ganhou de presente. Seu patrão se desfez de uma fazenda e ofereceu a ela, entre outros objetos, uma roca, que ela gentilmente nos presenteou. Hoje uma centenária roca de fiar está presente em nossa casa e, além de servir como objeto de decoração, é a alegria do Tom, meu neto, que fica encantado ao girar a roda da roca. Para ele é um divertimento quando vem nos visitar e passa algumas horas em nossa companhia. Ele grita e ri de modo a ouvir-se de longe, como se a roca fosse a máquina do mundo. Recordo-me, quando criança, que minha mãe contava história...

BARRA DE SÃO JOÃO

Casa  onde Pancetti morou Em Barra de São João acontece de tudo e não acontece nada. As praias são de tombo e as ondas quebram violentamente na praia. Quase ninguém as freqüenta a não ser algum turista desavisado, preferencialmente os paulistas. Mas o lugarejo é tranqüilo, com ruazinhas arborizadas com velhas jaqueiras e com muitas primaveras nos jardins, dando uma sensação gostosa de paz e tranqüilidade há muito perdidas nas grandes metrópoles. Foi lá que nasceu o poeta Casimiro de Abreu e onde foi sepultado conforme seu último desejo. O seu túmulo está no cemitério da igreja, mas dizem que o corpo não está lá e que foi “roubado” na calada de uma das antigas noites do século dezenove. A casa do poeta, restaurada, fica às margens do Rio São João é hoje um museu onde um crânio humano está exposto e alguns afirmam que é do poeta dos “Meus Oito Anos”. Olhei severamente para o crânio e questionei como Shakespeare em Hamlet: “To be or not to be”, mas fiquei sem resposta. O cas...