NADA É PARA SEMPRE
Conheci Ernesto
quando estudantes no antigo ginásio. Ele vinha transferido de um seminário
católico, pois havia desistido da carreira eclesiástica e se matriculou no
colégio estadual. Ser padre não era
mesmo sua vocação e jogou a toalha bem antes de se criar muita expectativa na
família, profundamente católica. Fez como Bentinho, o casmurro personagem de
Machado de Assis, que desistiu da igreja pela paixão por Capitu, a moça dos
olhos de ressaca.
Mas não havia uma Capitu na vida
de Ernesto, pelo menos enquanto fazia o ginásio. Mas no final do colégio a sua
Capitu, aliás, a Madalena, apareceu em sua vida. Era uma moça um pouco mais
velha que ele. Não era nenhuma beldade e também não tinha o olhar enigmático da
personagem do romance Dom Casmurro. Usava longos cabelos, que quase cobriram
seu rosto fino e comprido. Tinha um sorriso bonito e simpático, sugerindo ser
uma pessoa amável e generosa. Inteligente e dedicada, logo se formou na escola
normal e em pouco tempo já era professora primária. Formavam um casal bastante
moderno. Participavam ativamente da vida comunitária, tanto na igreja do
bairro, como nos movimentos sociais. Da vida comunitária para o engajamento em
movimentos pelo fim da ditadura militar foi rápido e o casal participou
ativamente de movimentos estudantis e trabalhistas.
Madalena era ajuizada e forçou o
namorado a poupar desde cedo e juntos compraram um pequeno terreno onde aos
poucos construíram uma modesta casa para morarem depois do casamento. Com a
casa própria, estava tudo pronto para um feliz casamento pequeno burguês. Isso
aconteceu pouco tempo depois, mas não poderia ser um casamento nos moldes
tradicionais. Eles eram diferentes, engajados politicamente, cultos e
anticonvencionais. O convite de casamento longe dos padrões usuais era uma
declaração de amor diante dos parentes e dos amigos. A cerimônia foi realizada
numa igreja onde o pároco era progressista e se dispensou os aparatos usuais
como o vestido de noiva e o tradicional terno e gravata. Todos reunidos no centro
da igreja, o casal falou sobre o seu amor e houve oportunidade para os parentes
e convidados falarem sobre o evento. Até eu me aventurei a falar e confesso que
falei demais e cheguei a ser inconveniente. Eu com outros amigos havíamos
tomado algumas cervejas antes e hoje dou conta de que deveríamos ter ido para
casa e não para uma cerimônia de casamento.
Casados e felizes desejando que
fosse para sempre, o casal cuidou de ter filhos para perpetuar a espécie ou
povoar a terra de acordo com um mandamento bíblico. Mas a Madalena engravidou
várias vezes e não conseguiu levar a gestação até o final. Como eram
esclarecidos, eles não se acabrunharam e buscaram a adoção como solução para o
problema. Soube através de uma amiga próxima do casal que eles adotaram duas
meninas.
Nunca mais vi o casal,
imaginando-os envelhecendo e felizes até que passadas quase duas décadas
encontrei o Ernesto em uma livraria da cidade. Depois de uma rápida conversa perguntei
pela mulher. Desconversou e entendi que estavam separados. Não era o momento
oportuno para fazer perguntas sobre as causas do fracasso de um casamento que
foi bastante inovador para os padrões da época. De qualquer forma foi um choque
saber que aquele amor cantado em prosa e verso pelo Ernesto não se sustentou
para a eternidade.
Muitos anos depois voltei a
encontrá-lo e pude então saber um pouco mais sobre os problemas que levaram ao
fim um relacionamento que prometia ser bastante promissor. O Ernesto confessou,
muito a vontade, que saíra do armário. Com uns trinta e poucos anos de idade e
quase dez de casado, resolveu separar-se de Madalena, pois estava cansado de
reprimir sua sexualidade e ser infeliz. Confidenciou-me que foi fazer terapia
com um arrojado analista que o convenceu a liberar sua sexualidade. Como ele sempre foi muito avançado em relação
aos costumes, não teve duvidas e mandou às favas as convenções sociais e
casou-se em grande estilo com um novo amor que também vivia aprisionado em um
armário pouco confortável.
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