O ALPINISTA SOCIAL
Marco,
decididamente, era um alpinista social, mesmo sem saber o que significava isso.
De família muito humilde decidiu que
precisava fazer qualquer coisa para melhorar de vida. Rapaz bonitão, loiro de
olhos azuis, fazia sucesso com as mulheres, mas estava mesmo interessado em dar
o famoso golpe do baú. Não é que a oportunidade surgiu quando descobriu que uma
família freqüentadora da igreja era muito abastada. O velho Aristóteles tinha
lojas e uma construtora em ascensão, além de vários imóveis espalhados pela
cidade. A moça era feia, desajeitada e, além de tudo, não era muito equilibrada. Para Marco não havia
problema algum em desposar a moça, um pouco mais velha do que ele e com todos
os predicados mencionados. O que interessava mesmo era o patrimônio do sogro
que tinha dinheiro escapando pelo ladrão, conforme se comentava pelo bairro.
Tudo indica, meus caros leitores, que a família estava com muita pressa
em selar o compromisso da Cremilda com o moçoilo para evitar algum imprevisto.
Marco estava fazendo o serviço militar e mal terminou a formatura, o casamento
já foi marcado. Aliás, a futura sogra e a noiva, foram as duas únicas pessoas
que foram assistir ao evento de conclusão do serviço militar. Os rapazes
queriam se livrar o mais rápido possível da encrenca e cuidar suas vidas. As famílias nem ficaram sabendo
que estavam sendo convidadas. Somente o Marco cometeu o cochilo e levou a
tiracolo as duas mulheres vestidas de acordo com os padrões evangélicos. Saias
abaixo dos joelhos e blusas fechadas até o pescoço. Os longos cabelos enrolados
em forma de coque na parte superior das cabeças. Elas formavam um quadro
grotesco pois eram as únicas pessoas
civis num ambiente militar.
Os colegas de Marco caçoaram dele por ter conseguido a proeza de arrumar uma namorada tão feia e
desajeitada. Mas ele respondia zombeteiro:
“O que me interessa é a grana do pai dela. O resto eu dou um jeito”.
Foi um casamento digno dos comentários da vizinhança. O sogro não
poupou recursos, que ele tinha de
sobra, para proporcionar uma festa digna
da sua fortuna em
ascensão. A festa foi realizada em um prédio ainda desocupado
que seria utilizado para os novos escritórios de sua firma. Champagne, vinhos e
serviço de Buffet com caviar para comemorar as núpcias. Marco estava feliz da
vida e pensava com seus botões: “Um dia tudo isso será meu”, sonhava. Viu-se
comandando o império do sogro, dando ordens, andando de cadilac com motorista e
tudo o que teria direito o genro do magnata.
Terminada a festa, o consorte tinha uma missão a cumprir e não era das
mais fáceis. Como se tratava de uma moça de família religiosa e puritana, nada
de beijos ou abraços antes do casamento. Ela se guardou totalmente para ele
naquela quinta-feira de um abafado mês de janeiro. Marcos bem que tentou, mas não conseguiu armar
o seu brinquedo para aplacar os desejos da desposada. Alegou ter bebido demais
e convenceu a donzela a deixar para o dia seguinte a consumação do ato
conjugal. Caso o casal fosse do sul da península itálica, teriam sérios
problemas diante da comunidade, pois não haveria lençol estendido na janela com
as marcas de amor.
Mas enfim, relaxado, Marcos conseguiu romper as barreiras que separam a
ansiedade e o prazer. Aliás, deixou claro para a esposa que a função do ato
sexual era apenas para a procriação e o fariam o mínimo necessário para gerar
filhos.
Seu primeiro emprego foi numa das lojas do sogro como gerente. O tempo
passou e nada da fortuna nababesca que havia sonhado. Tinha um salário e um
apartamento para morar ao lado do sogro. Logo ele percebeu que recebia muito
pouco para dormir com a moça mais feia e burra do bairro. Ficava até tarde no
trabalho para não voltar para casa e encontrar a mulher acordada. Com o tempo
começou a ter casos, inclusive com funcionárias da loja. Os comentários com o
tempo chegaram aos ouvidos do sogro. Marco
foi removido da gerência da loja e colocado em uma função de pouca relevância e
dinheiro menos ainda. Discriminado pela família da mulher e já com dois filhos
chegou à conclusão que precisava cuidar da sua própria vida e não depender mais
do sogro. Abandonar a esposa, jamais, pois seria abdicar da fortuna que um dia
poderia chegar às suas mãos ou a dos filhos. Arrumou um emprego de representante
de vendas que, felizmente, o obrigava a ficar meses fora de casa,
comunicando-se com a mulher e os filhos apenas por telefone. Numa dessas viagens envolveu-se num acidente
e lá foi o nosso alpinista social prestar contas com o criador como ele mesmo
gostava de dizer em relação à morte.
Nos seus últimos momentos, no caminho entre o local do acidente e o
hospital, teria se arrependido do projeto de vida que arquitetou para se dar
bem. Casou-se por puro interesse financeiro, mas recebeu apenas algumas
migalhas da grande fortuna que chegou a sonhar. Abdicou de ser feliz para ter
fortuna e acabou sem fortuna e sem felicidade. Pobre Marcos.
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