O LUTO DE ESTEFÂNIA
Pobre da
dona Estefânia, perdeu um filho com apenas dezoito anos num trágico acidente. Ele
foi junto com alguns amigos nadar numa represa em São Bernardo e acabou se
afogando. Conhecia o Paulinho apenas de vista, pois eu era ainda um frangote na
época. Foi muito triste, pois era apenas
um garoto com muitos sonhos pela frente. Ele saiu com uma turma para nadar e aconteceu o
inesperado. Disseram que ele mergulhou
fundo e se enroscou em um galho de árvore.
Logo depois o seu marido, um velho advogado de
porta de cadeia, morreu com câncer, que em casa se chamava doença ruim, ou
aquela doença que ninguém gostava de falar o nome. Fui com meu pai visitá-lo
uma vez. Era um homem alegre e simpático que mesmo acamado sem poder andar,
ainda fumava e dizia besteiras na frente de um menino. Meu pai ficava
desconfortável e tentava a todo custo mudar de assunto, mas vira e mexe ele
soltava um palavrão sonoro. Dona Estefânia, sua mulher chorou muito no velório.
Gritava desesperada que os dois únicos homens de sua vida tinham partido.
Ficou ela e a filha Marília, uma
garota lmeio maluquinha, que era a valentona do bairro e batia até nos
marmanjos. Como a mãe trabalhava fora, ela abria a casa e servia pão com
manteiga e café com leite para toda a molecada. Ser amigo dela era uma
proteção. Um dia ela resolveu ir para a nossa casa com toda a sua turma. Minha
irmã mais velha acabou deixando, mas constrangida porque nossa mãe não gostava
de crianças em nossa casa. No dia seguinte teve muitas palmadas e puxões de
orelha, além das terríveis broncas da nossa mãe. Ela só não contou para meu pai
com medo de que ele ficasse muito furioso.
Mas a Dona Estefânia, viúva teve
um caso com um rapaz solteirão, filho de um italiano, proprietário de uma
oficina mecânica. Parece que foi um romance tórrido pelo que se ouvia pelas
conversas dos mais velhos em surdina. Falava-se, também, que o caso começou bem
antes do velho advogado morrer. Ela bem mais velha do que ele, era muito
ciumenta e ele um mulherengo de primeira ordem, conforme se comentava a boca pequena. Os fatos vieram comprovar que
tais comentários tinham lá suas razões. Em pleno dia apareceu na esquina de
nossa casa uma moça bonita e elegante e perguntou-me se eu conhecia o
Alexandre. Claro que conheço, respondi prontamente. Então ela pediu-me que
fizesse a gentileza de dar-lhe um recado que ela queria falar com ele com certa
urgência. Fui rapidinho até a casa do tal de Alexandre, que estava dormindo.
Quando falei que uma moça estava querendo falar com ele, a Dona Stefânia ficou
uma fera e saiu de chinelas para encontrar a rival. Foi o maior barraco que o
pacato bairro já havia presenciado. A moça, muito educadamente, tentou
contornar a situação, mas foi humilhada publicamente, com todos os impropérios
que as mulheres ciumentas utilizam contra as suas rivais. Naquele dia aprendi
novas palavras e tornei outras mais feias. Começou a aglomeração de boa parte da
população do bairro até que o Alexandre apareceu e apartou o que seria uma tragédia
para a desconhecida, que por seus modos
elegantes e delicados, levaria uma tremenda de uma surra da dona Stefânia. A moça foi embora e o Alexandre levou a sua
mulher pra casa.
Mas dona Estefânia foi envelhecendo
e o seu Alexandre continuava ainda moço, apesar dos cabelos começarem a ficar
grisalhos. A diferença de idade pesou bastante e as traições viraram rotina. Tempos
depois ela confessou para amigas que não ia mais brigar por isso. Para ela a
vida estava no fim mesmo e achava melhor que ele aproveitasse a juventude que
ainda lhe restava. E assim ela foi definhando aos poucos e não dava para
acreditar no que a outrora bela mulher havia se transformado. Alexandre a
abandonou bem antes de sua morte e só foi ao velório por causa de um filho que teve
com ela.
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