'OS INTALIANOS"
É assim até em nossos dias que os
caboclos chamam os italianos no interior paulista. As modas caipiras de antanho
grafam exatamente assim: “Os intalianos”, fazendo referências a um povo
trabalhador, valente e defensor de suas famílias e propriedades. As belas
italianas, como também as não tão belas, não tinham colher de chá e iam para a
roça trabalhar na enxada de sol a sol. Com roupas longas e chapéus tipo
sombreiro, era difícil ver as faces coradas quase sempre cobertas de poeira.
Relatam sociólogos e historiadores, que em São Paulo foram incontáveis as moças
italianas que fugiram de casa com homens negros, que ao contrário dos
italianos, não permitiam que as suas mulheres fossem enfrentar os cabos de
enxada. As más línguas dizem que o
motivo principal foi outro, mas são apenas suposições, pois nunca perguntaram
para aquelas moças os motivos pelos quais fugiram de casa. Eu mesmo conheci uma
senhora italiana casada com um senhor negro, que moravam na fazenda de um tio.
De fato, dona Gisella nunca ia à roça e dedicava-se a cuidar da horta, das
galinhas e da casa.
Os italianos
que por essas plagas chegaram, eram principalmente do sul da península, região
mais atrasada do que o norte. Em geral eram analfabetos e conservavam as
tradições, como privilegiar sempre os filhos, que tinham mais liberdade e eram
herdeiros dos bens paternos. As mulheres eram proibidas de cortar os cabelos,
se pintarem ou usarem qualquer adereço que ressaltassem a feminilidade. Por lá contava-se a história de uma moça, cujo pai era um fazendeiro abastado, que se casou com um dos
filhos de um italiano na região noroeste de São Paulo. Até o casamento foi tudo
bem. Depois a história foi outra. A moça foi criada longe do fogão, com boas
roupas, cabelos curtos, sombras nos olhos e tudo o que tinham direito as garotas
da cidade, mesmo morando na fazenda. No primeiro dia após o casamento, acabou a
festa e a dondoca tornou-se uma autêntica doméstica, proibida de sair de casa,
de cortar ou arrumar os cabelos, tirar sobrancelhas e outras vaidades
femininas. Como era uma moça de personalidade forte, não quis se submeter ao
marido de forma incondicional. Resultado: entraram em cena os personagens do
Nelson Rodrigues e a violência patriarcal.
Levou tempo para que a moça
conseguisse avisar a sua família sobre a situação em que passou a viver depois do
casamento.
O pai da
senhora Bellantonio, homem austero e conservador, cioso dos seus poderes que a
tradição lhe legou, não aceitou que um carcamano qualquer espancasse sua filha,
criada com todo o conforto e mesuras. Diante das notícias que chegaram não teve
dúvidas. Chamou alguns empregados, passou a mão numa velha winchester e, de
caminhão para trazer a mudança, foi buscar a filha. O moço quando viu o sogro
na porta de sua casa com todo o aparato, amarelou. Jurou por São Genaro que
nunca batera na esposa, prometendo que a partir desse dia iria tratá-la como
uma rainha. Não contente com as
promessas do genro, o velho mandou chamar o sogro da filha e com a winchester
segurando o queixo do italiano assegurou-se de que as juras seriam cumpridas.
Semanalmente a
jovem senhora passou a receber visitas do pai, da mãe, das irmãs, irmãos e tios,
que obtinham informações sobre como ela estava sendo tratada. O “intaliano”
deu-se por vencido e deixou as coisas tomarem seu curso. Nunca mais maltratou a
esposa e aos poucos se tornou um marido mais liberal.
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