O escritor
britânico H.G. Wells (1866-1946) escreveu um conto bastante interessante que
foi traduzido para o português com o título: “Em terra de cego, quem tem olho é
rei”. A história narra a aventura de um alpinista que durante uma escalada, se
perde do seu grupo pelos Andes, na Colômbia. Buscando uma saída acaba
encontrando um vale em meio as montanhas onde todos os habitantes eram cegos.
Estavam ali isolados desde a chegada dos espanhóis. Um dos membros do grupo
original contraiu uma doença ocular que acabou se espalhando para todos os
descendentes. Assim, durante quinze gerações estavam sem visão e haviam se
adaptado a essa condição, sobrevivendo nas condições mais improváveis.
O alpinista
perdido, ao perceber a situação, chegou a pensar em tirar proveito da situação,
tornando-se, como diz o ditado, um rei, já que seria o único capaz de enxergar.
Ledo engano. A sua especial condição de enxergar não só dificultou a sua
sobrevivência na aldeia, como também foi um fator de rejeição por parte dos
habitantes que viam nele um perigo para a estabilidade da comunidade.
A história
lembra a conhecida “Caverna de Platão”, onde um grupo vive numa caverna sem
nunca nenhum dos membros terem conhecido o lado externo, supondo-se um mundo
perigoso e hostil, razão pela qual nunca nenhum deles se aventurou a sair fora dos
limites conhecidos.
O herói da
história de Wells acaba se adaptando às difíceis condições da aldeia,
acompanhando os demais em seus hábitos, como dormir durante o dia e trabalhar a
noite, depois de uma tentativa frustrada de dar um golpe e assumir o controle
político da comunidade. Dominado e castigado, resolveu aceitar as condições de
vida e negar o que tudo que via, admitindo que eram delírios de sua mente
doentia.
De nada adiantou
tentar convencer o grupo que havia um sol que iluminava a terra e gerava o
calor que sentiam. A lua e as estrelas para eles eram invenções de um ser
problemático e estranho à vida e a cultura daquele povo. Com o tempo, sendo
apenas tolerado pelos habitantes, ele se apaixona por uma moça que todos
consideravam feia, mas para ele, era uma moça bonita e interessante. Ao pedi-la
em casamento, encontra a oposição dos anciãos, da família e dos líderes. Para conseguir
o consentimento é sugerido a ele que se submeta a uma operação dos olhos para
“livrá-lo” dos seus problemas e se tornar de fato, um deles.
O interessante
no conto do genial H.G. Wells, é mostrar a possibilidade de as pessoas
acreditarem e defenderem verdades construídas a partir da visão de mundo de um
grupo ou de um líder, não importando as provas cabais de que estão errados.
Temos, assim, em pleno século XXI, depois das descobertas marítimas no século
XVI, da invenção do avião e das viagens espaciais, pessoas acreditando que a
Terra é plana ou que o sol gira em torno do nosso planeta, apesar de todas as
evidências.
Nada, nenhuma
prova, nenhuma pesquisa, consegue convencer pessoas que estão “cegas”. Enxergam,
mas não conseguem ver nada além do que seus líderes os convenceram sobre a verdade.
Isso acontece em política, em religião e em relação à ciência. A Igreja
Católica demorou três séculos para absolver o físico Galileu Galilei que quase
foi condenado a morte por provar que a Terra girava em torno do Sol e não o
contrário, como preconizava a filosofia aristotélica., defendida pelos sábios
do Vaticano.
O físico e
astrônomo Carl Sagan se declarou alarmado pelo fato de que a maioria da
população dos EUA ainda acredita na visão que precedeu Galileu e considera a
Teoria da Evolução de Darwin, uma heresia, apesar das provas de que houve mesmo
um processo evolutivo de todas as espécies que habitam a Terra.
Resta então,
já que os donos da “verdade” estão no poder, “cegar” todos aqueles que enxergam
o óbvio.
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