Conheci o
professor Mario Ghislandi na Fundação Santo André, onde ministrou aulas de
História Econômica, Política e Social nos anos 1970. Era um homem taciturno,
falava o essencial nas suas aulas e não se alongava em outras questões. Era
impenetrável e o pessoal dizia que ele era um espião do SNI, o terrível órgão
voltado para informações sobre inimigos do governo.
Suas aulas até
que eram interessantes. Trabalhou com um livro do antropólogo Darcy Ribeiro, “O
processo civilizatório”, publicado em 1972. Neste livro o autor discute o
processo de desenvolvimento político e econômico da sociedade humana, desde a
exploração da agricultura na denominada Civilização do Regadio.
A vinculação do
Ghislandi com o SNI fazia parte do folclore da época, pois ninguém dispunha de
informações concretas sobre o assunto.
Além disso, seu curso tinha um viés mais para a esquerda do que para a
direita, pois o autor estudado era ligado às correntes mais progressistas do
pensamento político. Os desconfiados
argumentavam que esse viés era para identificar possíveis incautos e
entregá-los ao DEOPS. Bobagens, pois ele nunca se interessava pelas opiniões
dos alunos. Quando alguém fazia alguma pergunta, ele respondia de forma seca e
objetiva, sem entrar em detalhes.
Lembro-me de que
no final do governo Médici, perguntei-lhe após a aula quem seria o próximo presidente.
Ele respondeu prontamente: “O General Ernesto Geisel”. Como era uma informação que
não estava na imprensa, fiquei impressionado com a revelação. Tempos depois a
notícia foi confirmada pelos principais meios de comunicação. E assim, o
presidente da Petrobrás, irmão do Ministro do Exército estava indicado pelo
sistema para ser sagrado como o novo ditador, condição que ele exerceu rigorosamente.
Durante seu mandato, fechou o congresso e criou o senador biônico, com mandato
vitalício e por indicação.
Mas foi
recentemente que descobri que o professor Ghislandi era um sacerdote jesuíta,
tendo sido um dos presidentes da Fundação de Ciências Aplicadas (atual Fundação
Educacional Inaciana). Curioso, procurei na Internet mais alguma referência ao
seu nome e descobri que, além de jesuíta, tinha ligações perigosas. Sua ficha
aparece no Deops em razão de sua ligação com um membro do Partido Comunista
Brasileiro, para quem havia desviado uma razoável importância da fundação que
presidia, razão pela qual fora desligado na época. Consta que o dinheiro tinha
a finalidade de construir uma colônia de férias no litoral paulista. A
mencionada ficha trazia ainda a informação de que Ghislandi havia abandonado a
condição de sacerdote e vivia com uma mulher em um apartamento no litoral.
Mario Ghislandi foi
também pároco em uma igreja da Vila Industrial em Santo André, onde teve uma
atuação bastante ativa juntamente com estudantes e operários. Talvez date dessa
época o seu engajamento político, que resultou na sua ligação com membros do
Partido Comunista.
Além de
professor na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da FSA, ele lecionou
também no IMES, atual USCS e na Faculdade São Luís, também ligada a Companhia
de Jesus, no curso de Economia.
Enfim,
Ghislandi foi um professor que poucos alunos ou talvez apenas esse quem escreve
se lembre dele. Cheguei a comentar com alguns ex-colegas, mas a ficha não caiu.
Não sabiam quem havia sido esse enigmático professor. Ao descobrir sua história
fica explicado o seu estilo lacônico. Naqueles tempos abrir a boca era sempre
um risco, pois os espiões reais ou imaginários estavam em todos os lugares e
não lugares.
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