Próximo
do Natal, lá pelo final dos anos 1950, fui lá pela primeira vez na companhia
dos meus pais e irmãos. Com a melhor roupa que envolvia terninhos de calças
curtas e gravatas borboletas fizemos um retrato familiar no Foto Mitto, na
Manoel Coelho, próximo a estação ferroviária e clic. Estava pronta uma lembrança
para ser enviada aos parentes do interior. Depois, caminhamos até o Cine
Vitória, onde assistimos um longo e cansativo documentário sobre o fundo do mar
na primeira sessão e em seguida o filme “Lá Escondida”, um dramalhão mexicano
ambientado durante a revolução de 1910, liderada por Zapata. Minhas irmãs quase
adolescentes falaram sobre o filme a semana toda e isso fez com que me lembre
até hoje de um bom número de cenas.
Teve
uma época em que lá não era permitida a entrada de homens sem paletó e gravata.
Com o tempo a regra foi relaxando e cheguei a assistir bons filmes com camisa
esportiva de mangas curtas em companhia de amigos ou de alguma namorada, cujos
nomes ficaram perdidos nos escaninhos da memória. Depois ia para uma lanchonete
que servia hot-dog com batatas palha, logo ali, na Manoel Coelho. No Vitória, lembro-me bem, assisti o clássico
Doutor Jivago, baseado no romance do mesmo nome do escritor russo Boris
Pasternak, além de uma reprise de Laurence da Arábia outro clássico épico do
cinema com três horas de duração.
Tal
como no belo filme “A última sessão de cinema” que tem como palco a pequena
cidade de Anarene, no estado do Texas, Estados Unidos, o Cine Vitória também
chegou ao fim em 1 de setembro de 1998, exibindo o filme Armagedon, com apenas
cem espectadores. Infelizmente, a reforma do cinema com a criação de duas
salas, em 1995, não resolveu a falta de público. Nesse dia já não morava mais
em São Caetano e só soube depois. Talvez tivesse ido à última sessão por
nostalgia e relembrar seus áureos tempos, tal como no filme americano e
guardando o ingresso como recordação daquele que foi ponto de encontro de
namorados, políticos e amigos.
O
filme de Bogdanovich, com Cybill Shepherd, fazendo a sua estreia, exibiu na
tela o clássico faroeste “Rio Vermelho”, de 1948, com John Wayne. Os
personagens da “Ultima Sessão de Cinema” tinham poucas opções de lazer na
pequena cidade e se revezavam entre o bar com sinuca e o velho cinema. O filme
é nostalgia pura e a história se passa entre o final da Segunda Guerra e a
Guerra da Coréia, tempos difíceis no meio oeste norte-americano em que as
pessoas viviam as duras perdas durante o conflito mundial e as possibilidades
dos jovens serem convocados para mais uma guerra.
O
Cine Vitória não era o único cinema da cidade, diferentemente de Anarene em que
havia apenas um. Tínhamos “O Lido”, mais moderno e bem próximo, que também já
chegou ao seu ocaso. Além do Lido, havia o Max perto da estação de trem, onde
assisti bons filmes como “A primeira noite de um homem”, com o Dustin Hoffman e
bem antes, o primeiro filme dos Beatles, “Help”, quando se ouvia mais os
gritinhos das meninas do que as belas canções do quarteto de Liverpool. Encerraram as atividades também os cinemas de
bairros, como o Real e o Átila na Vila Gerty da família Santarelli, entre
outros. Hoje quase todos são supermercados ou igrejas evangélicas.
O
fechamento do Cine Vitória e outros cinemas, foi resultado de mudanças socioculturais,
com a chegada dos filmes alugados nas locadoras que há tempos já estavam se
espalhando pela cidade. E tal como na canção do Chico Buarque, a televisão
mudou o hábito das pessoas e “Os namorados, já dispensam seu namoro, quem quer
riso quem quer choro, não faz mais esforço não. E a própria vida, ainda vai
ficar sentida, vendo a vida mais vivida, que vem lá, da televisão”.
Comentários
Postar um comentário