FILHAS
DE MILITARES SOLTEIRAS E AS PENSÕES VITALÍCIAS.
Essa
história é macabra por falta de outro adjetivo mais adequado ao absurdo. Refiro-me
a pensão vitalícia que filhas solteiras de militares recebem com o falecimento
dos pais. Um casal de amigos estrangeiros achou a mamata digna de ser colocada
no livro dos Records como a maior do mundo.
Segundo
um militar que conheci ao acaso e um defensor do privilégio, ele alegou que seu
pai, também militar, foi designado para um quartel no Acre. Como ele tinha duas
filhas solteiras em idade de casamento, ficou desesperado com a possibilidade de
as moças ficarem solteiras, pois lá não havia chances de um bom casamento. Com
a lei, ele ficou aliviado e pode dormir em paz. Lá segundo esse militar, só
existiam índios e meu avô jamais admitiria o casamento das filhas com nativos.
Como é
rotina, posteriormente ele foi transferido para outra cidade bem mais
desenvolvida, mas as meninas não queriam saber de casamento. Com o pai morto,
dividiram a pensão generosa que o estado brasileiro depositava mensalmente nas
contas das gurias. "Não é um bom motivo para concordar com a lei?"
perguntou-me. Para uma pergunta cretina, achei melhor calar-me. Aliás, como eu
não sabia o posto e tampouco a atividade do milico, foi a melhor opção naqueles
tempos de AI5.
Mas
justiça seja feita. Não são apenas as filhas de militares que gozam do
privilégio. A medida se aplicava também ao judiciário, Câmara, Senado e outros
marajás. A linda e bem sucedida atriz Maytê Proença, filha de um procurar do
estado de São Paulo, usufrui até hoje dessa mamata também chamada de
jabuticaba, pois só acontece no Brasil, mesmo tendo sido uma das artistas mais
bem pagas do país. Além disso, a moça também é escritora, e como tal recebe
seus direitos autorais. Por essa simples
razão, ela oficialmente nunca se casou de papel passado, mas teve pelo menos
duas uniões estáveis e filhos.
Contou-me
um diretor da empresa onde eu trabalhava, que em Curitiba um general ou coronel
aposentado e amigo da família, queria adotar sua irmã para que a sua pensão
mudasse de mão quando partisse para o andar de baixo. Digo de baixo por que no
espaço tanto faz. O pai dele ficou ofendido com o amigo militar e respondeu à
altura, lembrando que ele tinha condições de sustentar a filha até o casamento
e caso ficasse solteira, ela que fosse trabalhar, porque eu não criei filhos
vagabundos. O tempo esquentou e os dois nunca mais se falaram. É sempre bom
saber que existe gente decente nesse país.
Assim,
deve-se admitir que as mulheres que ficaram realmente solteiras recebendo o
quinhão, devem ser poucas, muito poucas. Talvez as exageradamente feias ou
obras da caridade, como diria minha mãe, aquelas que evidentemente não suportam
homens por razões pessoais ou casos de doença grave que impossibilita tanto o
casamento como o trabalho. E quanto as muito feias, ainda sempre existirá algum
feio em iguais condições.
Para
os menos avisados, devo explicar que a mamata foi proibida em 1990 e somente
quem já estava recebendo continua em vigor. A nossa constituição prevê que
direitos adquiridos não podem ser extintos por lei ordinária. Talvez por isso,
vale a pena rever essa constituição, pois privilégios não são direitos.
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