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O CARIOCA

 

 

O Carioca era uma figura ímpar. Simpático, seu sorriso era 1001, ou seja, não tinha nenhum dente na frente. Alguém pode perguntar como ele conseguiu entrar numa grande empresa, vindo de tão longe e sem muita instrução? Simples. No Rio de Janeiro era carregador das tralhas de golfe de um grande empresário.  De tanto acompanhá-lo, acabou fazendo vários relacionamentos e, segundo ele, conhecia grande parte do PIB brasileiro, os grandões, que o tratavam muito bem. Isso é explicável. O pobre Zé era um bom serviçal dos ricaços, fazendo o que eles se recusam a fazer, ou seja: carregar peso e pegar as bolinhas que se espalham pelos campos de golfe.

Foi assim que um dia, cansado de ser carregador dos tacos e catador de bolinhas, criou coragem e pediu um emprego para o doutor Paulo, um grande empresário. Contou-me ele, que o “homem”olhou para ele de cima embaixo e perguntou: “Você quer mesmo trabalhar?”. Ele respondeu prontamente que estava disposto a fazer qualquer coisa, mas queria um emprego de carteira assinada.

No dia seguinte o doutor deu-lhe um endereço e contato para ir para São Paulo onde ele teria um emprego. “Mas São Paulo, doutor?” É o que eu posso lhe arranjar Zé, é pegar ou largar... respondeu o empresário.  E assim ele se arribou por outras naturezas e o velho Rio de Janeiro por lá ficou.

Chegando em Mauá, procurou o  departamento pessoal, que já havia recebido a orientação para atender o indicado pelo big boss. A ordem que veio de cima, era para alocá-lo na Movimentação de Materiais, para abastecer os caminhões com produtos químicos e foi lá que ficou até sair da empresa.

Mas ele não esquecia o Rio, suas praias, o Pão de Açúcar, o Arpoador... Não que fosse um grande frequentador, pois precisava dar duro na vida para garantir o pãozinho com manteiga das crianças, incluindo aí, os fins de semana e feriados. Mas ele sabia que o Rio estava lá, pertinho, um pulinho.

Um dia os chefes chegaram à conclusão de que o Zé, mesmo sendo um boa praça, não era muito talhado para os afazeres técnicos e não tinha futuro e, tampouco, interesse em estudar e melhorar de vida. E assim, lhe ofereceram uma demissão com “honras de chefe de estado”, com todos os direitos e mais alguns trocados. Ele arreganhou o sorriso vazio de dentes, mas repleto de felicidade e topou na hora.

E foi dessa forma que o Zé Alves, vulgo Carioca, saiu do emprego e, ao invés de voltar para sua terra, ficou por aqui, onde já havia fincado raízes. Envolveu-se com grupos musicais de pagode e chegou a fazer parte de um desses conjuntos. O Carioca partiu há uns oito anos, mas não para o seu Rio de Janeiro. No seu velório, dizem testemunhas insuspeitas, havia até gente famosa do mundo pagodeiro. Evoé Carioca.

 

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