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RELÍQUIAS DA CASA VELHA Uma casa tem muita vez as suas relíquias, lembranças de um dia ou de outro, da tristeza que passou, da felicidade que se perdeu. (Machado de Assis, em Relíquias da Casa Velha). Machado de Assis deu o nome de Relíquias da Casa Velha a um livro de contos, mas bom seria que tivesse escrito um belo conto com esse nome, pois as casas velhas guardam lembranças, segredos, tristezas, alegrias e às vezes tragédias.  De minha parte não tenho a pretensão de escrever um conto, ainda mais com esse título, mas vai aqui uma modesta crônica me apropriando do nome do livro do nosso maior escritor. A casa velha a que me refiro é onde passei minha infância e juventude num bairro de São Caetano do Sul. O inquilino saiu e foi preciso fazer a vistoria  do imóvel. A casa estava até bem cuidada  depois de alguns anos alugada. Alguns tacos soltos, um arranhão na pintura, mas nada muito grave que demandasse despesas para reparação.    ...
ANDRADINA Andradina parece um nome de mulher, mas é apenas uma cidade com nome feminino. A origem  vem de Andrade, um rico fazendeiro que se apossou daquelas terras para criar gado.  Como quase toda a região Noroeste Paulista, as cidades são planas, quase sem elevações. É um horizonte sem fim e o sol nem tem como se esconder no final das longas tardes de verão. Andradina, nome que eu ouvia desde menino quando as pessoas da família que moravam em Lavínia a ela se referiam. Uma grande cidade, a morada do rei do gado, um mitológico boiadeiro que virou uma canção da dupla Tonico e Tinoco que meu pai gostava de ouvir pelo rádio no final do dia. “Quem quiser saber meu nome/ que não se faça de arrogado/é só chegar lá em Andradina/ e perguntar pelo rei do gado”. Imaginava que para entrar em Andradina era preciso pedir licença para o rei que ficava sentado em um trono com chapéu, bombacha e botas gauchas, como se vestia meu tio José que também foi boiadeiro. Andradina era tamb...
'OS INTALIANOS" É assim até em nossos dias que os caboclos chamam os italianos no interior paulista. As modas caipiras de antanho grafam exatamente assim: “Os intalianos”, fazendo referências a um povo trabalhador, valente e defensor de suas famílias e propriedades. As belas italianas, como também as não tão belas, não tinham colher de chá e iam para a roça trabalhar na enxada de sol a sol. Com roupas longas e chapéus tipo sombreiro, era difícil ver as faces coradas quase sempre cobertas de poeira. Relatam sociólogos e historiadores, que em São Paulo foram incontáveis as moças italianas que fugiram de casa com homens negros, que ao contrário dos italianos, não permitiam que as suas mulheres fossem enfrentar os cabos de enxada.  As más línguas dizem que o motivo principal foi outro, mas são apenas suposições, pois nunca perguntaram para aquelas moças os motivos pelos quais fugiram de casa. Eu mesmo conheci uma senhora italiana casada com um senhor negro, que morava...
QUAL É A MÚSICA DO CHICO QUE VOCÊ MAIS GOSTA? Um velho amigo fã incondicional do Chico Buarque fez uma enquete com várias pessoas do seu relacionamento para saber qual era a música preferida composta pelo grande compositor.   Parecia fácil, mas qual o quê; todos vacilaram na escolha, pois seria mais simples escolher algumas das melhores. Não podia. Tinha que ser apenas uma, era um tiro só e não podia errar nem se arrepender. Diante da pergunta fiz um retrospecto geral na obra do compositor e optei por uma bela canção que ele fez com o Edu Lobo, Beatriz. Por que escolhi a Beatriz, uma das muitas canções que o Chico dedicou a um nome de mulher?  Depois de Carolina, Januária, Cristina, Joana Francesa e por aí vai, Beatriz, composta para o espetáculo Circo Místico, para mim foi a mais bela letra ou um dos mais belos poemas da música popular brasileira. Há quem diga que ele escreveu para a sua ex, a Marieta Severo. Bom seria se não fosse, para tão grande amor, tão cur...
CARLINHOS KALUNGA, UM MÚSICO "TUDO DE BOM" Kalunga é a designação dada aos descendentes de escravos que se refugiaram em quilombolas nos grotões do Estado de Goiás. Lá eles formaram comunidades autossuficientes, isoladas da civilização, se é que podemos chamar as cidades brasileiras de lugares civilizados. É também importante lembrar que Kalunga, em bom dialeto banto, significa “Tudo de bom”.  É aí que se encaixa o querido Carlinhos Kalunga, violonista, arranjador, produtor musical e compositor. Quem lhe deu o apelido não se sabe. Falei com seus amigos de juventude e ninguém tinha   informação   sobre a origem. Mas de qualquer forma o sentido banto lhe cai bem, pois o Carlinhos Kalunga é aquele sujeito sempre sorridente, de uma simpatia acolhedora. Carlinhos, músico de profissão e de paixão, começou cedo a lidar com o pinho, pois o pai, seu João Gonçalves, tinha muita afinidade com o velho violão que tinha em casa, num bairro da periferia de Santo André, n...
CIA. FÁBIO BASTOS, APENAS UM RETRATO DE PAREDE, MAS DEIXOU SAUDADES Rubens Novaes e Beth Dentro das condições da época a empresa era um local bom para se trabalhar. Nos anos 60 chegou a distribuir ações da empresa para os funcionários como bônus de final de ano, uma inovação em termos de gestão de pessoas.  O principal negócio da empresa era a importação de implementos agrícolas, tratores e demais produtos para a pecuária leiteira. Fabricava também alguns produtos complementares para o setor. Era uma grande importadora de tratores, mas quando a Valmet e a Ford começaram a fabricá-los  no Brasil, a Fábio Bastos perdeu um grande filão de mercado. Posteriormente, a Alfa-Laval, empresa sueca do setor de máquinas para a indústria de laticínios também se instalou no Brasil, fato que agravou a crise da empresa.  Fundada no Rio de Janeiro nos anos 40 do século passado pelos irmãos Garcia Bastos, a empresa se espalhou pelo Brasil e tinha filiais nas principais capita...
A VIZINHA DO LADO Todo bairro tinha a sua moça elegante, sempre bem vestida, maquiada que usava corretamente o vernáculo. Havia mais de uma, mas a Frida era especial, principalmente porque morava quase em frente a nossa casa e desfrutávamos de alguma intimidade com ela e sua família.  Era uma secretária, mas também uma equilibrista, pois não era fácil andar de salto alto naquelas calçadas mal conservadas da velha Vila Marlene.  Ela navegava perto dos trinta anos e todos a consideravam uma solteirona ou uma balzaquiana, sem muita chance de subir ao altar para os padrões da época. Mas Frida não dava bola para a torcida e tampouco para os rapazes vizinhos que não estavam à altura do seu cabedal. “Imagine que eu me casaria com um pé rapado para passar os meus dias lavando cuecas. Nem pensar”, repetia sempre quando alguém lhe perguntava sobre casamento. A nossa musa, apesar da elegância e modos educados, não dispensava uma cervejinha e se tivesse uma cachacinha antes, melh...