CIA. FÁBIO BASTOS, APENAS UM RETRATO DE PAREDE, MAS DEIXOU
SAUDADES
Dentro das condições da época a empresa era um local bom para se trabalhar. Nos anos 60 chegou a distribuir ações da empresa para os funcionários como bônus de final de ano, uma inovação em termos de gestão de pessoas. O principal negócio da empresa era a importação de implementos agrícolas, tratores e demais produtos para a pecuária leiteira. Fabricava também alguns produtos complementares para o setor. Era uma grande importadora de tratores, mas quando a Valmet e a Ford começaram a fabricá-los no Brasil, a Fábio Bastos perdeu um grande filão de mercado. Posteriormente, a Alfa-Laval, empresa sueca do setor de máquinas para a indústria de laticínios também se instalou no Brasil, fato que agravou a crise da empresa. Fundada no Rio de Janeiro nos anos 40 do século passado pelos irmãos Garcia Bastos, a empresa se espalhou pelo Brasil e tinha filiais nas principais capitais, além de escritórios de vendas espalhados por várias cidades de São Paulo, Paraná e Minas Gerais.
A empresa tinha lá os seus encantos e alguns
mitos dos fundadores faziam parte do imaginário dos antigos funcionários. Os
mais velhos falavam dos tempos da fundação da filial São Paulo, na Rua
Florêncio de Abreu sob o comando do Francisco Garcia Bastos, irmão do Fábio
Bastos. Diziam que ele ia, pelo menos
duas vezes por semana, de bicicleta até o armazém da empresa na Avenida
Presidente Wilson, no Ipiranga. Na minha época, já nos anos 60, ele vinha de Aero-Willys com motorista.
Havia figuras lendárias na empresa, como o
Altair Garcia Nogueira, diretor comercial e primo do Francisco. Era uma pessoa um pouco esnobe e sovina. Dá para acreditar que ele mandou reformar um liquidificador
na empresa para dá-lo de presente de casamento para a filha? Pois é, naquela
época estas coisas ainda aconteciam. O aparelho ficou em exposição por alguns
dias, como obra da competência dos operários da firma. Mas a conta pelo serviço foi enviada para ele, mesmo sendo diretor. Pelo menos uma vez por
semana ele ia para a unidade do Ipiranga, onde eu trabalhava. Ficava horas ao
telefone fazendo pesquisa sobre preços de peças de reposição para seu
Aero-Willys. Contava-se na empresa que ao chegar em casa, um empregado lavava
os pneus do carro antes de guardá-lo na garagem. Mas Nogueira era um sujeito culto e
sofisticado que sempre viajava para Paris e visitava o Louvre e por
isso, gostava de ficar ouvindo suas conversas com o nosso chefe sobre suas
aventuras na cidade Luz.
Um dia apareceu um jovem de vinte e poucos anos
para fazer um estágio na fábrica e oficina. Era o Paulo de Mendonça Bastos,
filho do Francisco, Vice-Presidente da empresa. Com carta branca do big boss, o
Oscar de Freitas, nosso gerente deu-lhe um macacão e ordens para colocar as
mãos na graxa. O Paulo era um típico filhinho de papai, como se dizia na época.
Vinha com seu próprio carro, um DKW Vemag todo incrementado que não saia da oficina.
Ficou alguns meses aprendendo como era difícil ganhar a vida, pois o pai não
queria que seus filhos fossem playboys desocupados. O Francisco tinha outro
filho, Francisco G. Bastos Filho, jovem de temperamento mais difícil. Contava o
Gentil, motorista do pai, que ele havia fugido para morar com uma mulher bem
mais velha e de vida suspeita. O pai não teve dúvidas e foi buscá-lo, acabando
o romance. Soube pelos jornais, poucos anos depois, que ele morrera em São
Francisco, EUA, possivelmente de um ataque cardíaco, pois era muito jovem.
Para mim, apesar de ser uma empresa um tanto
antiquada, foi uma experiência
importante em minha vida pessoal e profissional. Lá trabalhei com o Rubens
Novaes, o contador da empresa. O Rubens era uma pessoa culta e de grande caráter.
Com ele aprendi a ler os clássicos da literatura que me emprestava e conferia
se eu realmente havia lido. Passaram pelas minhas mãos, exemplares de Hugo, Flaubert, Zola,
Joyce, Dostoievski, Thomas Mann, Fitzgerald, Cervantes entre outros. Quando não
havia muito trabalho e o gerente não estava, passávamos horas conversando sobre
literatura, política, religião e vida pessoal. Contava causos do seu tempo de
criança na velha Vila Carrão com os seus imigrantes portugueses, italianos e espanhóis.
Ri muito quando ele contou a história do motorneiro do bonde cuja mulher o
traia quando saia para o trabalho. Num dia, ao saber por um passageiro a
traição da mulher, largou o bonde no meio da avenida e foi fazer o flagrante. A
rua toda parou para ver, ouvir e dar passagem, como diria o Chico sobre a
chegada da banda. Contava-se sobre como
conheceu sua esposa, a Elizabeth, por quem se apaixonou a primeira vista pelos
seus cabelos louros e olhos azuis.
Tratava-me como um filho que precisava ser
lapidado para não cair em maus caminhos. Aos quatorze anos, como quase todos os
garotos da época, comecei a pitar um cigarrinho escondido dos meus pais. Graças
a ele, com sua retórica antitabagista, abandonei, praticamente antes de
começar, o vício.
Com apenas quinze anos, ficava deslumbrado com
as discussões durante o horário de almoço. Havia um operário chamado Paulo
Ribeiro, que era comunista de carteirinha, mas acabou sendo promovido a
encarregado e mudou o seu discurso. Como diria Drummond: “Há uma hora em que os
bares se fecham e as virtudes se negam". Normalmente o Rubens não me
deixava ficar com os operários, pois não considerava um bom ambiente para
um jovem escriturário. Com o pretexto de dar uma volta para fazer a digestão e
tomar um pouco de sol, levava-me quase todos os dias para um passeio após o almoço. Visitávamos
sempre o Museu do Ipiranga, apesar do curto tempo de que dispúnhamos. Mas ao
longo de três anos em que lá trabalhei, deu para conhecer vários detalhes do
museu.
Quando completei dezoito anos, fui dispensado
da empresa, como era comum na época por causa do serviço militar. Foi com
lágrimas nos olhos que me despedi dos amigos que lá deixei, principalmente, o
Rubens Novaes, a quem devo muito do que sou hoje. Tempos depois soube, pelo
próprio Rubens, que a empresa estava em séria crise, com muitas pessoas sendo
dispensadas. A empresa entrou em
concordata, fechando as suas portas e com elas toda uma história empreendedora.
Foi triste saber que antigos funcionários, que começaram as suas carreiras
desde jovens na empresa, como Seu Sete, Georges, Roberto Amaro, Ismael Brait,
Euclides entre outros, ficaram, de repente, sem emprego e sem a velha
identidade.
Lembro-me de muitas outras coisas sobre a a
Fábio Bastos, mas tenho saudades, além das pessoas que lá conheci, de uma
máquina de escrever Underwood, portátil, onde eu escrevia, além das cartas,
memorandos etc, meus trabalhos escolares e também alguns versos ingênuos.
Muito Bom ,se vc tiver mais detalhes da Fabio Bastos , por favor poste e muito interessante
ResponderExcluirParabens
Leo
Existem muitas histórias sobre a cia. Quem sabe ainda poste outras. Abraços.
ExcluirEu postei uma crônica sobre o Francisco Garcia Bastos, Vice-presidente qsue ficava em São Paulo. Talvez tenha mais informações que podem lhe interessar.
Excluirobrigado. Abraços
ResponderExcluirSobre a Cia. Fabio Bastos, gostaria de informar que ela se constituiu em 1929, e sua sede em São Paulo era na Rua Florencio de Abreu 828.
ExcluirEu não tinha muita certeza da data da fundação Arsênio. Pesquisei e não encontrei nenhuma data precisa. De qualquer forma obrigado pelo esclarecimento. Você trabalhou lá?
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