Os argentinos estão em alta na produção de declarações racistas, preconceituosas e estereotipadas. O simpático Papa Francisco respondeu em forma de piada que os brasileiros não tinham salvação, pois ao invés de orar, ficam bebendo cachaça. A percepção argentina de que os brasileiros são cachaceiros é menos ruim do que quando nos chamam de macacos em razão da forte presença africana no Brasil.
Não bebo cachaça, uma bebida nacional com registro de origem, muito apreciada no mundo inteiro, mas ela deve ter lá suas qualidades exaltadas pelos cachaçaciers. Um velho amigo, Silvio Franco, lançou várias cachaças com sabores, sendo a de Cambuci, uma das mais apreciadas. A “Reserva do Cabrunco”, tem também, a cachaça com uvaia entre outras. Recordo-me de uma multinacional alemã onde trabalhei, em que as secretárias corriam em desespero atrás de boas cachaças para seus chefes levarem nas bagagens, pois seria indelicadeza voltar do Brasil sem os esperados presentes para os amigos e parentes.
Mas voltando aos argentinos, nesta semana foi a vez do presidente Alberto Fernandez, num arroubo patriótico diante do primeiro-ministro espanhol, disse que “Os mexicanos vieram dos índios, os brasileiros da selva, mas nós, os argentinos, chegamos de barco. Eram barcos que vinham da Europa”. A frase ele atribuiu ao Prêmio Nobel de Literatura mexicano, Octavio Paz. Errou feio, pois o escritor, muito irônico, disse outra coisa: “Os mexicanos descendem dos Astecas; os peruanos dos Incas e os argentinos, dos barcos. É a velha tradição dos latinos se curvarem aos europeus, como seus eternos colonizadores.
A frase preconceituosa e porque não dizer, racista, revela um eurocentrismo ridículo, pois atribui a superioridade portenha ao fato de descenderem de europeus, ofendendo o povo mexicano e, mais uma vez, os brasileiros. Os astecas, de quem os mexicanos se orgulham da ascendência, representam uma civilização milenar, destruída pela dominação espanhola e ainda são chamados erroneamente de índios. Quanto a nós, que viemos da selva, está implícito o velho preconceito: somos índios ou então macacos, como eles costumam chamar os nossos jogadores durante as partidas de futebol.
Pensei que fôssemos invisíveis apenas para os europeus e não pelos nossos vizinhos. A frase do presidente portenho me fez lembrar de um amigo que morou dois anos na Alemanha fazendo treinamento pela empresa onde trabalhava. Geraldo Magela comentava que os alemães sempre lhe perguntavam, ao saber que era brasileiro, coisas do tipo: “Como vocês atravessam as florestas para irem ao mercado?” ou então: “Vocês têm cidades ou moram nas florestas?”; “Vocês viajam de canoa pelos rios ou pelas árvores?”. Eles ainda nos veem como se estivessem no século XVI ignorando que depois que eles mesmos destruíram grande parte das florestas e mataram a maioria dos povos nativos, na América viaja-se de carro, ônibus, avião e mora-se ou trabalha-se em grandes arranha-céus.
Podemos dizer que os nossos hermanos, que não são nada fraternos, se acham superiores a todo o restante da América Latina, mas entre eles existem expressões como “los cabecitas negras”, que é como se referem à população do Noroeste do país, com forte presença indígena. Juan Domingos Peron, ex-presidente e até hoje um mito político, ostentava um sobrenome de origem italiana, mas tinha forte ascendência indígena pela via materna, o que deveria ser motivo de orgulho, mas era um segredo guardado a sete chaves por causa do racismo presente na sociedade portenha. Além dele, outro grande ídolo portenho, Diego Maradona, tinha evidente ascendência dos povos nativos.
Enfim, é triste que um presidente de um país vizinho e nosso importante parceiro comercial, cometa gafes desse tipo, revelando forte preconceito em relação aos seus vizinhos. Como o “El glorioso San Martin”, herói da independência argentina, assim como Simon Bolivar, que liderou o movimento contra a dominação espanhola, tinham sangue indígena, devem estar se revirando em seus túmulos diante de tamanha ignorância. Ao que parece, pelo menos no quesito ignorância de presidentes, não estamos tão distantes.
Num dia desses visitava um sebo para passar o tempo, quando, surpreso, vi o livro Comunicação Visual e Expressão, do professor José de Arruda Penteado. Comprei o exemplar e pus-me a recordar os tempos de faculdade em que ele era professor e nosso mentor intelectual. Era uma figura ímpar, com seu vozeirão impostado e uma fina ironia. Rapidamente estreitamos contato e nas sextas-feiras saíamos em turma para tomar vinho e conversar. Era um dos poucos professores em que era possível criticar, sem medo, a ditadura militar. Penteado era um educador, profissão que abraçara com convicção e paixão. Seu ídolo e mestre foi o grande pedagogo Anísio Teixeira, que ele enaltecia com freqüência em nossos encontros semanais. Defendia um modelo de educação voltado para uma prática socialista e democrática, coisa rara naqueles tempos. Depois disso, soube que estava coordenando o curso de mestrado em Artes Visuais da Unesp e ficamos de fazer contato com o ilustre e inesquecível mestre. Mas o t...
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