SOCIETÁ ITALIANA DI BENEFICENZA
Havia em casa uma medalha de
bronze com a inscrição: “Societá Italiana di Beneficenza - 1898” que minha mãe
conservava em sua caixinha de segredos. Ela dizia que era do seu pai, mas ela mesma
não sabia como e nem por que estava em suas coisas quando ele faleceu. Como não
havia conversado em vida com ele sobre a medalha, ficou sem saber a sua origem.
Sabia que meu avô era um farmacêutico prático, que criava comprimidos
fitoterápicos para curar doenças. Não sei se tais comprimidos faziam algum efeito, mas com eles ele ganhava a vida
e podia comprar seus livros, jornais e assinar uma revista espanhola. Filho de
pai abastado, na infância ele estudou com um preceptor (professor particular)
que lhe ensinou as primeiras letras, depois Latim e espanhol, mas nunca
frequentou escolas. Lia tudo que lhe caia nas mãos e era uma pessoa muito bem
informada nos confins do interior paulista. Soube da televisão muito antes da
tecnologia chegar por aqui, mas os caipiras o consideravam louco quando
explicava sobre o estranho aparelho.
Eu como era muito abelhudo peguei
a medalha e andava com ela no bolso para fazer farol com os colegas de colégio,
até que um dia, voltando para casa, fui encurralado por dois garotos que me
assaltaram, levando alguns trocados que tinha no bolso e a tal medalha. Nunca
ninguém soube lá em casa quem fora o larápio, pois mantive segredo sobre minha
travessura.
Nas últimas noites andei a sonhar
com a medalha e com meu avô querendo saber o que fiz dela e cobrando-me para
que a devolvesse. Com quem estará não faço a mínima ideia, mas caso alguém que
a tenha em seu poder esteja lendo essa crônica, mande uma mensagem que
recompensarei a altura, não pelo seu valor monetário, mas por uma questão de
honra familiar.
Num dos sonhos ele disse em bom
Latim sobre a origem da medalha, sugerindo, pelo que pude entender considerando
meus parcos conhecimentos da língua de Cícero, que fora uma homenagem que
recebera em Minas Gerais por serviços prestados a uma comunidade italiana no final do século XIX.
Como o espírito que Hamlet via
nos muros do castelo de Elsinor, meu pobre avô cobrava-me, e com razão, a
medalha que deveria ser sepultada junto ao túmulo de minha mãe, sua filha mais
nova e mais querida. Prometi que cumpriria tal empreita, mas cá estou eu
fazendo a minha primeira tentativa para descobrir o paradeiro da medalha. É
possível que os larápios a tenham jogado fora, pois de nada valiam numa troca
comercial a não ser que a tenham vendido a algum comerciante italiano do bairro
que veria algum valor sentimental no objeto. Por essas e outras vou ficar
devendo ao meu avô fantasma a tal medalha, pois nem com a ajuda da internet
consegui localizar uma para comprar. E por essas e outras que creio que há mais
mistérios entre a eternidade e a vida terrena do que pensa nossa pobre
filosofia.
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