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UM FUTURO JORNALISTA

Estava com quatorze ou quinze anos quando decidi que seria jornalista. Por quê? Achava o máximo sentar diante de uma máquina de escrever (das antigas), fumando Mistura Fina (o cigarro do meu pai) e prevendo o futuro político do país numa redação repleta de grandes cabeças pensantes.
Com esse futuro planejado fundei com o Tomás Padovani, um ex-seminarista, colega de classe, o meu primeiro jornal, que em verdade era um mensário, pois jornais devem ser publicados todos os dias (giorno). O nome era H.Zetinha e foi sugerido pelo Tomás. Publicamos poesias, curiosidades e entrevistas com professores. A primeira entrevista foi com a professora de português, Da. Takiko, uma nissei tímida e reservada e foi difícil tirar alguma coisa dela. Confesso que fui agressivo por ela não responder a maioria das questões propostas, mas depois me arrependi e pedi desculpas. O outro entrevistado foi o professor de História, Josué Augusto da Silva Leite que falou sobre tudo, menos sobre o que gostaríamos de saber. O H.Zetinha durou apenas três longos meses, pois a direção do colégio achou melhor acabar com a brincadeira, pois ficou com medo da ditadura. Onde já se viu estudantes ginasianos publicando jornal?
A outra experiência foi no segundo grau, mas em outro colégio. Desta vez assumi sozinho a empreitada e, felizmente, a saudosa diretora Da. Lucia Jorge Abdalla era uma mulher de visão, aberta a qualquer tipo de discussão com os alunos. Por via das dúvidas ela encarregou a professora de língua e literatura portuguesa, Hamide Assain José como responsável (leia-se censora). Mas a Hamide não estava nem aí e deixava rolar. Quando alguém comentava alguma coisa ela dizia: “Eu sou educadora e não censora”.  O Praxe era uma revista de variedades, com entrevistas com professores, alunos, piadas, poesias, artigos de fundo etc. Teve vida longa, uns dois anos e era impresso no mimeografo da própria escola, com distribuição para todos alunos.
O Praxe era lido religiosamente pelo jornalista Carlos Clementino Lacerda, namorado da professora Hamide. Ele sempre elogiava o jornal e acreditava que eu tinha talento (às vezes mesmo pessoas sérias se enganam) e me aconselhou a não ser jornalista, pois o ambiente era muito pesado para um jovem. Havia muita competição, intrigas, fofocas e as pessoas bebiam muito e rolava muita droga.
O resultado foi que abandonei a “promissora” carreira e fui fazer Letras, pois sempre tive muito interesse por literatura, mas logo abandonei o curso e fui para as Ciências Sociais.  Foi na faculdade que me envolvi com o primeiro jornal no ensino do terceiro grau. Saiu apenas um número e cheguei a ser ameaçado por um segurança por causa de um artigo irônico que escrevi sobre a repressão na escola. A ilustração da matéria ficou por conta do Pedro Luiz Montini, meu colega de colégio que tinha um excelente traço, mas virou Meteorologista.  Depois, já como presidente do diretório acadêmico, fizemos outro jornal, “Coesão”. As atividades do diretório me ocupavam muito e quem tocava o jornal era mesmo o Edélcio Thenório, um desenhista de primeira que fazia as ilustrações e a diagramação. O Zeca cuidava especialmente de entrevistas com compositores populares, como Adoniram Barbosa, Luiz Vieira entre outros. E tinha ainda o Milton Eto, que fazia a revisão e escrevia sobre cinema.  Eu escrevia o editorial e um ou outro artigo. O jornal foi publicado durante toda a nossa gestão e considerando aqueles tempos sombrios, até que durou muito. Já calejado pelas aventuras políticas, evitava temas muito polêmicos. A saída era publicar artigos e entrevistas sobre cinema, música popular, literatura etc., passando longe das questões políticas.
Enfim, contei um pouco da história de um menino que amava os Beatles, Rolling Stones, Noel Rosa, Tom Jobim, Milton Nascimento entre outros e que queria ser jornalista. Mas a vida o levou para outros caminhos e hoje ele é apenas um professor universitário, mas ainda tem pesadelos numa sala de redação com problemas de censura e fechamento da última edição.


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