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PAIS E FILHOS


Um velho amigo, quando jovem, contou numa roda que havia dando uma bronca num grupo de marmanjos que humilhavam um bêbado acompanhado do seu filho. Pelo que me recordo foram essas as suas palavras: “Vocês não podem fazer isso com esse homem perto do seu filho. O pai é o maior herói de uma criança. Vocês estão destruindo suas referências”. Fiquei orgulhoso do meu amigo que se arriscou ao desafiar uma turba ignara em defesa de uma criança.
O escândalo protagonizado pelo ex-governador Sérgio Cabral Filho e que envolveu o desvio de milhões de reais a título de propinas fez com que muita gente se lembrasse do seu pai, o velho Sérgio Cabral, jornalista competente, especializado em música popular brasileira, letrista, redator do lendário Pasquim, o semanário que ousou bater de frente com a ditadura.  Pobre do Sérgio! Dizem todos os que o conheceram e leram suas colunas e reportagens.  É triste chegar ao fim da vida e ver o filho nas manchetes policiais como um dos maiores larápios que o Rio de Janeiro já conheceu. Felizmente para o Sérgio pai, sua mente já não funciona mais. O mal de Alzheimer faz com que não se lembre de quem ele é ou quem ele foi e tampouco se tem um filho ou não. Tudo é indiferente para ele, pois vive praticamente vegetando.
Mas algo me intrigou ao reler a biografia de Cabral pai e ver que após alguns mandatos de vereador ele foi presenteado com um invejável cargo de conselheiro do tribunal de contas do município do Rio de Janeiro. Depois de três mandatos de vereador foi nomeado Conselheiro do Tribunal de Contas do Município, onde se aposentou em 2007. Por que o privilégio? Sérgio pai era jornalista e cá entre nós, seus conhecimentos contábeis não iam além da sua conta bancária, pois nunca militou nesta área durante sua carreira jornalística, mais focada em músicas e letras do que em números.  Assim, quero crer que a nomeação para conselheiro do tribunal de contas é um jeitinho bem brasileiro de se presentear amigos e garantir-lhes um final de vida confortável.
O caso Cabral é o pai, mas tem também os casos dos filhos. Isso me faz lembrar do menino chamado Michel Temer Filho, cujo pai, que tem idade para ser seu avô ou até bisavô, alcançou o cargo máximo da república tupiniquim. Pobre menino rico, que é obrigado a ouvir dos coleguinhas de classe expressões pouco lisonjeiras sobre a honestidade do pai. Convenhamos que deva ser difícil e doloroso para uma ele ouvir certos adjetivos sobre aquele que sempre é o maior herói para uma criança. O sofrimento do pequeno Michel deveria ter sido previsto pelo pai, que mesmo depois de tantas operações da Lava-Jato, se aventurou por mares perigosos, mais de uma vez.
Um pai honesto e decente ter um filho acusado de corrupto é difícil, mas acredito que deve ser mais suportável do que uma criança ouvir a mesma acusação sobre o pai. Com certeza o pai se perguntará: Onde foi que errei? Por outro lado, a criança está em formação, sua personalidade ainda está em construção. Os valores que lhe são ensinados na escola e pelos pais ainda estão sendo digeridos. As suas maiores referências são os pais e como um deles está na boca do povo, é como se tivesse perdido o seu principal ponto de apoio, principalmente porque ontem parecia um herói e hoje um homem ameaçado de perder o mandato e até ser preso caso seja condenado por corrupção passiva.
Quanto ao meu velho amigo, hoje médico, penso que não deve estar muito preocupado com o Michel filho, pois a maioria das pessoas do país está em campo político oposto ao Michel pai. Mas foi a lembrança do seu comentário em idos tempos que me fez escrever esta crônica sobre a vergonha de pai e a vergonha de filho.


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