O DESAPARECIMENTO DE SULAMITA SCAQUETTI PINTO
E já se foram sete anos que a
Sulamita Scaquetti Pinto desapareceu. Não se sabe se ela estava triste, se
estava alegre ou simplesmente estava sensível como diria Cecilia
Meirelles. Ia buscar o filho na escola e
foi levada por outros caminhos até hoje desconhecidos. Ninguém sabe se perdeu o
rumo, a memória, razão ou a vida. Simplesmente, a moça bonita, de belos olhos
azuis nunca mais foi vista.
Os pais, os amigos e os parentes
saíram pelas ruas perguntando a quem passava, mostrando a fotografia, mas
ninguém viu. Alguns diziam que viram, mas não viram ou apenas acharam que era
ela, mas não era. Participamos dessas desventuras quando tiveram notícias de que
uma moça com a descrição da Sula havia aparecido num bairro distante. Era
triste ver os pais desesperados por uma notícia da filha, com uma fotografia na
mão, lembrando da tatuagem nas costas, dos cabelos loiros, dos olhos azuis, mas
como de outras vezes, voltaram de mãos vazias e um grande nada na alma.
Uma criança de cinco anos de
repente ficou sem a mãe para levá-lo à noite para a cama e lhe contar histórias
de ninar. Hoje já quase um adolescente, tem vaga imagem da mãe, que aos poucos
vai desaparecendo como uma miragem. Às vezes ainda chora ou fica triste quando
as mães dos seus amiguinhos aparecem para as festas na escola.
Moacir, o pai, desde moço saiu em
busca de aventuras e quis conhecer o Brasil profundo dos grotões mais
distantes. Largou um bom emprego e decidiu pegar sozinho a estrada em direção
aos sertões, mas a namorada Elvira depois de muita relutância resolveu acompanhá-lo
e foram passar um ano sabático nos sertões, bem para lá das veredas do
Guimarães Rosa.
Eles voltaram, arranjaram novos empregos
e casaram de papel passado, uma concessão aos pais da Elvira, católicos
tradicionalistas, que não se conformaram com a filha vivendo com o namorado sem
estar casada. E lá fui eu com a minha companheira como testemunhas para a
oficialização do matrimonio. Depois disso,
novas aventuras e desta vez foram para o Ceará, onde ficaram alguns anos e onde
nasceu a Sula.
Escreviam sempre e numa das
cartas a Elvira, entre lembranças e esperanças, comunicou a gravidez, e que já
havia decidido que a filha nasceria cearense, filha de paulistas, fazendo o
roteiro inverso das sagas dos migrantes. O nome era de uma colega de
universidade, filha de fazendeiros do Cariri, com quem fizeram uma profunda
amizade.
Mas chegou o tempo de voltar e
pegaram a estrada de para São Paulo e o Moacir se engajou na política e entre
outros livros escreveu “Histórias no Brasil que elegeu Lula”, crônicas operárias
e de uma família tipicamente brasileira, que veio do interior para ganhar a
vida na indústria e de um jovem aprendiz do SENAI às voltas com as mudanças
sociais e econômicas do ABC. Resolveu
fazer Ciências Sociais para entender melhor seu país, mas talvez tenha saído
mais confuso do que entrou. Leu muito, discutiu muito, mas o curso não preencheu
a imensa lacuna que trazia na alma.
Mas o amor do casal acabou ou
ficou muito morno para mentes tão inquietas e cada um foi para seu lado, mas
sempre ligados pelas duas filhas, Sula e Rosinha. Sula foi fazer odontologia,
mas desistiu no meio do curso. Não era bem o que gostaria de fazer de sua
vida. Deu aulas de inglês, casou,
descasou e depois foi ser esteticista, mudando radicalmente seu rumo. E assim,
a menina que conheci ainda bebê, foi para São Bernardo, berço da família, onde
despareceu sem deixar sinal num dia triste, frio e melancólico.
Depois de seis anos os pais, os
parentes, o filho e os amigos ainda esperam que um dia ela apareça na porta
dizendo: “Demorei um pouco, não?”. Tal como o desaparecimento de Luiza Porto
cantada em versos pelo poeta Drummond, “Mas há de voltar, espontânea ou trazida
por mão benigna, o olhar desviado e terno, canção”.
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