OS BONS E VELHOS ALFAIATES
Foi-se o tempo
em que se ia ao alfaiate para fazer uma roupa. Escolhía-se o tecido no próprio
profissional ou levava o corte da preferência adquirido em lojas especializadas
em tecidos, que hoje não sei se ainda existem. Em seguida em tiradas as medidas. Braço
esticado, braço encolhido, altura, largura etc. A próxima etapa era a primeira
prova. Com o paletó semi-costurado fazia-se a primeira prova, depois a segunda
e às vezes a terceira. Finalmente pronto, a última prova para não ter
reclamações posteriores. Fazia-se um costume (ainda se chama de terno que a
rigor é um costume de três peças, incluindo o colete) para um casamento próprio,
para ser padrinho ou como convidado. Era
comum fazer um bom terno para uma festa de formatura dependendo de quem era o
formando.
No meu bairro havia
um alfaiate chamado Genivaldo, uma figura simpática, gentil e de finíssimo no
trato. Depois de entrar no seu atelier, ninguém escapava sem sair de lá com uma
encomenda. Não havia alternativa. Se não
era um “terno”, era uma calça ou um blazer. Com sua calva reluzente e fala
macia ele convencia todos com a boa conversa de vendedor. Fui lá pela primeira
vez com um amigo e me tornei freguês, gastando bons trocados em roupas enquanto
morei em São Caetano do Sul.
Depois de mudar
para a vizinha São Bernardo, minhas visitas foram rareando até nunca mais
visitar a alfaiataria do Genivaldo que tinha uma propaganda de gosto duvidoso:
“Adão não se vestia porque o Genivaldo não existia”. Não era nada original,
pois essa propaganda estava em todas as cidades do país.
Quem vai à
alfaiataria hoje em dia? São poucos, ou melhor, raros. Os alfaiates quase desapareceram,
pois as confecções com preços acessíveis, qualidade aceitável, acabaram com os
mestres alfaiates com seus cortes bem feitos, caimento e costuras impecáveis que
se tornaram obsoletos. Os trajes no passado duravam muito tempo, mas hoje são
descartáveis. A moda é muito dinâmica e faz com as pessoas abandonem os
costumes que ficaram fora de moda. Além disso, usar paletó e gravata é hoje
restrito a poucos executivos. Foi-se o tempo em que o Cine Vitória em São
Caetano não permitia a entrada de homens sem paletó. Até meados dos anos sessenta não se
frequentava a casa da namorada sem o traje passeio completo. Era preciso muita
intimidade com a família para comparecer sem o mínimo de elegância. Até para
morrer, antigamente, se exigia um bom terno, mas hoje nem esse detalhe da
elegância masculina está sendo respeitada. Chegar ao paraíso ou ao purgatório
mal vestido era considerado de mau agouro, diziam os antigos.
Essa história me
faz lembrar o empresário Antônio Ermírio de Moraes que disse, com orgulho, que
o terno de casimira inglesa que ainda usava foi do seu pai, um velho político
dos anos cinquenta, José Ermírio de Moraes. Ele afirmou que o reformou e ainda estava
impecável. Parece estranho que um bilionário reformasse roupas velhas, mas
acredito que era para dar exemplo aos seus funcionários sobre a simplicidade e
economia e despistar pedidos de aumentos.
Nesses dias li
uma reportagem em que muitos jovens estão abraçando as profissões que foram de
seus avós ou bisavós, como açougueiros, merceeiros, cabelereiros e os próprios
alfaiates. Não sei se é por causa da crise econômica ou por nostalgia dos
tempos em que uma boa profissão era aquela em que as pessoas se sentiam felizes
realizando um trabalho e não aquelas novas que dão mais status como médico,
advogado, engenheiro, administrador etc. Oxalá os alfaiates retornem para
confeccionar roupas sob medida, com caimento impecável e qualidade a toda
prova. Bom quem sabe poderei mandar fazer meu derradeiro terno (com três peças)
e usá-lo na última viagem.
Quanto ao alfaiate
Genivaldo, soube que tentou dar uma tacada de mestre, mas foi mal sucedido.
Comprou um grande lote de tecidos por um preço generoso, mas um incêndio
devorou o seu estabelecimento e o levou à falência. A bela mulher do Genivaldo, diante da tragédia
o trocou pelo dono da padaria em frente, que diziam as más línguas já era um
caso antigo. E o pobre Genivaldo
precisou vender tudo o que tinha para pagar as dívidas e foi trabalhar de
empregado em uma alfaiataria, outrora concorrente. Soube por outros que já não
era o mesmo profissional, pois trabalhava de cabeça baixa e escondia sua
simpatia para usá-la em dias melhores.
A história do
Genivaldo terminou enquanto fazia um extra para terminar um terno num final de
ano, justamente para o dono da padaria. Um disparo que foi ouvido numa noite
chuvosa de dezembro tirou a vida de um outrora próspero alfaiate. O seu patrão
lamentou que a roupa encomendada ficara estragada com o sangue e amargou um bom
prejuízo, mas não dedicou uma só palavra ao pobre Genivaldo. Com a tragédia os
fregueses desapareceram e a alfaiataria acabou fechando, deixando de entregar
vários ternos pagos antecipadamente.
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